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comentário
Perto dele, Ernesto Varela é o William Waack
MARCELO TAS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Querem comparar Borat, o
falso repórter do Cazaquistão, com Ernesto Varela, o
falso repórter ingênuo criado por mim com a cumplicidade de Fernando Meirelles.
Agradeço a lembrança, mas
dispenso a honraria.
Perto da devassidão de Borat, Varela é um jornalista
tão circunspecto como William Waack, o elegante âncora do "Jornal da Globo".
OK, talvez menos.
Saí da sessão com sentimentos dúbios: surpresa, alívio e constrangimento. O filme é desconcertante. O
maior enigma dele é justamente o estrondoso sucesso
nos Estados Unidos. Como
os caras que elegem Bush filho duas vezes conseguem
suportar a visão devastadora
de suas ignorâncias na telona
do cinema?
Se for a incrível capacidade
para rirem de si próprios, parabéns. Mas tenho as minhas
dúvidas.
É um alívio confirmar a
eficiência da ficção para fazer um documentário. Ou seria um "mocumentário", como querem alguns? A palavra é tradução livre de
"mockcumentary". Conceito
que coloca "mock" -objeto
falso- à frente da obsessão
dos documentaristas tradicionais: a de sair por aí medindo a "realidade das coisas" com uma fita métrica.
Como no Varela, aqui sim
há uma convergência. Borat
é uma "mentira" que funciona como lente de aumento da
"verdade". Eis o paradoxo da
arte. Diante de nossos olhos,
uma alegoria delirante nos
coloca mais próximos do entendimento do mundo do
que a cuidadosa "objetividade dos fatos".
No caso de Borat, uma caricatura revela outra. Sem se
importar com as câmeras
(quem se importa com elas
hoje em dia?), vemos nossos
Big Brothers do Norte exporem candidamente seu racismo, superficialidade, arrogância e tesão por carros e
armas. Além, é claro, das dificuldades com sexo e nudez.
Não deve ter sido fácil escolher 80 minutos entre as
400 horas filmadas pela
equipe de Borat. Isto pode
justificar alguns truques baratos para fazer rir que estão
no filme. Tais escorregões
para a comédia fácil também
podem explicar a ironia das
ironias: quem riu por último
com o sucesso de Borat foi o
ultraconservador Rupert
Murdoch, que não só distribuiu como já assinou contrato para uma seqüência do filme. "Great success!", diz o
bordão do repórter cazaque
de sotaque metálico.
MARCELO TAS , comunicador e jornalista,
inicia turnê com a peça "A História do Brasil
Segundo Ernesto Varela", a partir de maio,
em Brasília
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