São Paulo, domingo, 04 de março de 2007

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comentário

Perto dele, Ernesto Varela é o William Waack

MARCELO TAS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Querem comparar Borat, o falso repórter do Cazaquistão, com Ernesto Varela, o falso repórter ingênuo criado por mim com a cumplicidade de Fernando Meirelles. Agradeço a lembrança, mas dispenso a honraria. Perto da devassidão de Borat, Varela é um jornalista tão circunspecto como William Waack, o elegante âncora do "Jornal da Globo". OK, talvez menos. Saí da sessão com sentimentos dúbios: surpresa, alívio e constrangimento. O filme é desconcertante. O maior enigma dele é justamente o estrondoso sucesso nos Estados Unidos. Como os caras que elegem Bush filho duas vezes conseguem suportar a visão devastadora de suas ignorâncias na telona do cinema? Se for a incrível capacidade para rirem de si próprios, parabéns. Mas tenho as minhas dúvidas. É um alívio confirmar a eficiência da ficção para fazer um documentário. Ou seria um "mocumentário", como querem alguns? A palavra é tradução livre de "mockcumentary". Conceito que coloca "mock" -objeto falso- à frente da obsessão dos documentaristas tradicionais: a de sair por aí medindo a "realidade das coisas" com uma fita métrica. Como no Varela, aqui sim há uma convergência. Borat é uma "mentira" que funciona como lente de aumento da "verdade". Eis o paradoxo da arte. Diante de nossos olhos, uma alegoria delirante nos coloca mais próximos do entendimento do mundo do que a cuidadosa "objetividade dos fatos". No caso de Borat, uma caricatura revela outra. Sem se importar com as câmeras (quem se importa com elas hoje em dia?), vemos nossos Big Brothers do Norte exporem candidamente seu racismo, superficialidade, arrogância e tesão por carros e armas. Além, é claro, das dificuldades com sexo e nudez. Não deve ter sido fácil escolher 80 minutos entre as 400 horas filmadas pela equipe de Borat. Isto pode justificar alguns truques baratos para fazer rir que estão no filme. Tais escorregões para a comédia fácil também podem explicar a ironia das ironias: quem riu por último com o sucesso de Borat foi o ultraconservador Rupert Murdoch, que não só distribuiu como já assinou contrato para uma seqüência do filme. "Great success!", diz o bordão do repórter cazaque de sotaque metálico.


MARCELO TAS , comunicador e jornalista, inicia turnê com a peça "A História do Brasil Segundo Ernesto Varela", a partir de maio, em Brasília


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