São Paulo, quinta-feira, 04 de abril de 2002

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MÚSICA ERUDITA

Violoncelista radicado na Suíça se apresenta com instrumento Matteo Goffriller, de 1700, e faz quatro récitas

Meneses leva três séculos à Sala São Paulo

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O violoncelista brasileiro Antonio Meneses, 44, dará hoje a primeira das quatro récitas que programou para a Sala São Paulo.
Hoje e sábado ele será o primeiro violoncelo do Sexteto de Cordas da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado), que interpretará peças de Brahms ("Sexteto nš 1", op.18) e Tchaikovski ("Souvenirs de Florence", op. 70).
Na semana que vem, como solista e sob a direção de John Neschling, fará com a sinfônica o "Choro para Violoncelo e Orquestra", de Camargo Guarnieri.
Meneses, radicado na Suíça, é o violoncelista do Trio Beaux Arts, prestigiosa formação de câmara dos Estados Unidos.
Ele se apresenta em São Paulo com um instrumento Matteo Goffriller, de 1700.
Eis os principais trechos de sua entrevista à Folha.

Folha - O sr. interpretou com a Osesp há dois anos "Fantasia", de Villa-Lobos. E fará, na semana que vem, o "Choro", de Camargo Guarnieri. Esse repertório brasileiro não vem sendo menosprezado?
Antonio Meneses -
Não só menosprezado, como também desconhecido. No Brasil quase não se tocam essas obras e no resto do mundo menos ainda. Creio que está na hora de começarmos a apresentar esse repertório para um público que o desconhece.

Folha - Esse desconhecimento se deve à falta de edição, à falta de violoncelistas, à falta de orquestras ou às três coisas combinadas?
Meneses -
Pode ser tudo isso e algumas outras coisas também. Não é por falta de violoncelistas. Há muitos, mas eles não sabem que essas obras existem. Um músico que queira mergulhar no desconhecido geralmente opta por uma estréia mundial. É para ele mais interessante, ele atrai mais a crítica. Por isso, peças escritas há 50 anos começam a cair no esquecimento.

Folha - O público gosta da sonoridade, das suites de Bach, dos concertos de Haydn ou de Dvorak. Mas há muitas peças brasileiras para violoncelo no século 20.
Meneses -
Qualquer músico normalmente se apresenta em primeiro lugar com o repertório tradicional. Foi o meu caso. A experimentação do desconhecido vem depois. A peça do Guarnieri programada para a semana que vem, eu nunca a toquei. Estamos sempre ocupados com as obras consideradas como as mais valiosas em termos mundiais. Esquecemos das pérolas escondidas.

Folha - Os sextetos de Brahms e de Tchaikovski que serão interpretados hoje foram sugestões suas?
Meneses -
Sim. São peças em que o primeiro violoncelo tem uma função quase tão importante quanto à do primeiro violino.

Folha - Qual o critério da escolha?
Meneses -
Eu sempre tive vontade de tocar esse Tchaikovski. Jamais o interpretei. Para contrastar com ele eu pensei no Brahms, o que criaria um contraste muito grande entre as duas obras no programa. O Brahms é muito mais poético, introspectivo, enquanto o Tchaikovski já é extrovertido, "para fora".

Folha - O "Sexteto nš 1" de Brahms é quase metafísica, não é?
Meneses -
Esse sexteto é muito redondo, muito íntimo. A maneira de descrever que ele tem não é baseada em opções mais fáceis, mais baratas. Tchaikovski, ao contrário, utiliza-se de todos os truques possíveis.

Folha - A gravação que o sr. fez das suítes de Bach estão disponíveis apenas no Japão. Há limitações parecidas quanto às integrais para violoncelo e orquestra de Villa-Lobos?
Meneses -
Essa última gravação foi distribuída mundialmente por uma gravadora francesa. São os dois concertos e mais a "Fantasia", com a Sinfônica da Galícia, cujo regente é o Pablo Juan Perez.

Folha - Como funciona sua programação com o Trio Beaux Arts?
Meneses -
Temos geralmente quatro turnês espalhadas pelo ano. Em outubro, fazemos uma pela Europa, outra pelos Estados Unidos. Em janeiro ou fevereiro, mais uma pela Europa, mais outra pelos Estados Unidos. E algumas vezes fazemos em agosto concertos de verão.

Folha - Sua agenda este ano o levará novamente a locais distantes como a Austrália?
Meneses -
Estivemos na Austrália e em toda a Ásia há dois anos. O Beaux Arts se apresentou até no Vietnã. Mas desta vez, ao menos para mim, o mais longe que irei será mesmo o Brasil.

Folha - Há algum CD seu para ser lançado?
Meneses -
Sim. Há as obras de Villa-Lobos de violoncelo com piano e que eu gravei com a Cristina Ortiz. Deveremos fazer proximamente um recital de lançamento, no Rio. E há também um CD em que reuni peças curtas, interpretadas como bis.

Folha - Haveria hoje o crescimento da prática do violoncelo como ocorreu, nos anos 70, um "boom" que favoreceu o piano?
Meneses -
Há um crescimento do interesse pelo violoncelo desde o começo do século 20, embora seja mais lento do que ocorre com o piano, porque o repertório de piano é tão vasto e bonito, que é difícil competir.

Folha - Até que ponto o "efeito Casals e Rostropovich", ou seja, a imensa popularidade desses dois intérpretes, também não influiu?
Meneses -
É uma maneira de ver a coisa que pode ser correta.

Folha - Mas há influência no repertório, com peças compostas para eles.
Meneses -
É sobretudo o caso de Rostropovich, que estimulou as composições. Casals, ao contrário, não fez muito pela música moderna. Ele foi uma pessoa muito conservadora. Debussy para ele não era mais música. A música para ele cessava com Brahms.


ANTONIO MENEZES E A OSESP
Quando: hoje, às 21h, e sábados, às 16h30, Sexteto de Cordas da Osesp; dia 11, às 21h, e dia 13, às 16h30, além do Guarnieri solado por Meneses, a orquestra faz a "Sinfonia nš 7", de Haydn, e "Don Quixote", de Richard Strauss. Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes, s/nš, tel. 0/ xx/ 11/ 3337-5414). Quanto: R$ 12 a R$ 36.




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