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CONTARDO CALLIGARIS
Ecos da guerra em Israel e na Palestina
1) Em Israel e na Palestina,
é o horror da retribuição imediata: você mata três, eu mato
cinco, você mata 15, eu tento matar 20. É improvável que a conta
dos mortos intimide uns e confira
a vitória (qual vitória?) aos outros. Para que, então, os atentados nos bares de Haifa ou de Tel
Aviv? Para que a invasão de Ramallah?
Como não parece haver perspectivas estratégicas, o conflito
assemelha-se a uma briga em que
apenas importa falar mais alto do
que o outro. E os gritos, aqui, levantam e espalham sangue e cadáveres.
Os palestinos gritam que, para
matar israelenses, eles estão imediatamente dispostos a morrer.
Mostram que o prazer de destroçar os inimigos é absoluto: não é
preciso sobreviver para aproveitar a carnificina. Esta é sua força
proclamada: loucos de jihad ou
de independência desprezam sua
própria vida. Portanto, os israelenses (e os ocidentais, em geral)
não teriam como lhes resistir. Ou
seja, se a gente não se importa em
morrer, quem ganhará de nós?
Novidade no racismo, um líder do
Hamas declarou ao "The Washington Post" que "os judeus gostam da vida mais do que os outros povos" como se fosse um estigma.
Os israelenses gritam que eles
não hesitarão (e não hesitam) em
revidar e matar. Eles não têm
candidatos ansiosos por explodir
num mercado de Gaza. Mas eles
declaram: cuidado, não somos
tão diferentes, podemos matar
tanto quanto vocês. Quem já esteve numa briga de rua sabe disso: é
crucial não ter medo de bater e
dar mostras disso.
Reconhecer o outro como inimigo e odiá-lo é uma coisa difícil.
Estamos acostumados a pensar
que a humanidade não seja restrita aos que falam nossa língua
ou praticam nossa religião. Odiar
o semelhante por ele ser outro pede um esforço. Talvez israelenses
e palestinos estejam conseguindo.
2) Segundo David Long ("The
Anatomy of Terrorism", 1990), os
terroristas são sujeitos que sofrem
de baixa auto-estima e de uma
falta de sentido para as suas vidas. É possível que esse seja o pano de fundo, mas o gesto terrorista é uma patologia do excesso de
sentido, não da falta.
Estive na faixa de Gaza em
1994. Ter uma Kalashnikov era
um sinal de status, como dirigir
um Mercedes ou ter viajado para
a França. No caso dos palestinos,
não vale a idéia de um arcaísmo
pelo qual eles obedeceriam aos
princípios de uma sociedade tradicional e, portanto, não atribuiriam importância a suas vidas individuais. Mesmo servindo a uma
causa coletiva, eles são sujeitos
modernos, preocupados com sua
imagem: fico bem de mártir? Os
pretensos "martírios" são, provavelmente, paroxismos narcisistas,
gestos desesperados para agradar
e entrar no clube.
Na frente de uma loja, uma
dondoca fala de sapatos: "Esse aí
é de morrer". Pois é, o martírio
também é de morrer. Os que tecem os elogios dos "mártires" são
responsáveis pelos suicídios no
mesmo sentido fútil em que as vitrinas da Quinta Avenida são responsáveis pelo estouro do cartão
de crédito de nossas classes médias. O mecanismo psíquico é o
mesmo.
3) Arafat na Reuters (em árabe): "Juntos marcharemos até que
uma de nossas crianças levante a
bandeira palestina sobre as igrejas e as mesquitas de Jerusalém".
Proponho que os arquitetos da
Disney sejam encarregados de
desmanchar Jerusalém e de misturar os materiais originais com
cópias perfeitas, de forma a reconstituir três Jerusaléns completas e idênticas. Os ditos arquitetos
desaparecerão num programa de
proteção às testemunhas. Ninguém saberá quem tem qual original e qual cópia. Talvez a Jerusalém de Israel fique com a verdadeira pedra que o profeta pisou, e
os palestinos, com o autêntico sepulcro de Cristo. Todos brincaremos de peregrinos, sorrindo para
as câmaras.
4) No "New York Times", Thomas Friedman relata esta frase de
um cientista político israelense:
"O conflito israelo-palestino de
hoje será a Guerra Civil espanhola do século 21", ou seja, o ensaio
geral de uma guerra mundial. Se
estamos no prelúdio de um grande conflito, é um bom momento
para perguntar por que e para
que morreremos e/ou mataremos.
Os palestinos e os israelenses já
experimentam uma resposta: por
ódio do inimigo.
Nestes dias, Hollywood propõe
uma outra moral para tempos de
combate. Três filmes, desiguais e
concebidos antes dos atentados
de setembro: "Atrás das Linhas
Inimigas" (melhor deixar para
ver no avião), "We Were Soldiers" (Mel Gibson chora um
pouco demais) e o extraordinário
"Falcão Negro em Perigo", de Ridley Scott. Em vez de criticar fácil
e abstratamente o belicismo
hollywoodiano, é melhor constatar que são três histórias em que a
ação militar -mais ou menos
desastrada e custosa em vidas- é
imposta por uma regra só: ninguém dos nossos deve ser deixado
para trás, morto ou vivo.
Que essa seja a única regra da
guerra e, nos três casos, o motivo
da batalha, eis que constitui uma
proposta ética interessante. Afinal, se é para combater, prefiro
que seja por solidariedade com
quem compartilha comigo uma
comunidade de destino. E não
por ódio do inimigo ou por exaltação narcisista.
ccalligari@uol.com.br
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