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CRÍTICA
Adaptação dilui crueldade do dramaturgo
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
A peça teatral "Dois Perdidos
numa Noite Suja", de 1966, é
talvez o ápice a que chegou certa
poesia da marginalidade que levou Plínio Marcos, seu autor, a ser
visto como uma espécie de Genet
brasileiro.
Na peça, dois pobres diabos,
Tonho e Paco, vivendo no limiar
entre o subemprego e a contravenção, se digladiam moralmente
num cubículo imundo.
Ao enfrentar o espinhoso desafio de levar esse texto às telas, o cineasta José Joffily introduziu duas
mudanças radicais: transformou
o personagem Paco em mulher
(Débora Falabella) e ambientou a
ação em Nova York.
As duas inovações revelaram-se
problemáticas. Para começar, é
difícil acreditar em Débora Falabella fazendo-se passar por garotinho para iludir velhos pervertidos em banheiros públicos.
No palco, talvez um faz-de-conta desse tipo colasse, mas o cinema tem exigências de verossimilhança muito maiores, quando se
trata de um filme realista.
Com a mudança, introduziu-se
na relação entre os personagens
um subtexto erótico que não foi
desenvolvido plenamente.
Ao transferir a ação para Nova
York, por outro lado, o filme sobrepôs ao conflito central o tema
"externo" da imigração, o que
acaba por diluir a tensão claustrofóbica do original.
Dizendo resumidamente: é como se uma das inovações (a da sexualidade) apontasse para dentro,
para o núcleo da relação entre Paco e Tonho, e a outra (a da geografia), para fora, para o contexto social. Por não conjugar a contento
esses dois movimentos opostos, o
filme dá a impressão de ficar sempre a meio caminho, assustado
com suas próprias ousadias.
Existe, por exemplo, um esforço
em revelar a bondade inata do
personagem Tonho (Roberto
Bontempo), que chega a ser inverossímil em alguém que está há
anos vivendo na sarjeta, limpando banheiros num país hostil.
Hipótese: talvez o humanismo
de José Joffily e do roteirista Paulo
Halm os tenha impedido de levar
às últimas consequências a poesia
cruel de Plínio Marcos.
Dois Perdidos numa Noite Suja
Produção: Brasil/EUA, 2002
Direção: José Joffily
Com: Débora Falabella, Roberto Bontempo
Quando: a partir de hoje nos cines
Espaço Unibanco e Jardim Sul
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