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São Paulo, sexta-feira, 04 de abril de 2003

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Buena encrenca

Associated Press
O músico e produtor americano Ry Cooder chega à cerimônia do Grammy Latino



Multado por furar embargo a Cuba, Ry Cooder mostra última expedição à ilha de Fidel e poupa o "multador" Bush de críticas


CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Que a visão de Ry Cooder é "buena" ninguém dúvida. Como um Hernán Cortéz topando com as riquezas mexicanas, o guitarrista de Los Angeles também encontrou seu Eldorado.
De suas expedições a Cuba, saíram "Buena Vista Social Club", o CD, o livro, o filme... o Grammy. O mundo conheceu Ibrahim Ferrer, Compay Segundo e companhia. Cooder encontrou a boca do balão e a estourou sem piedade.
Enquanto o "establishment" cultural norte-americano aplaudia de pé as conquistas de Cooder, o governo começava a sussurrar discretamente a palavra "embargo" em seus ouvidos. Mas o artista tinha sua mina de ouro a zelar.
No mês passado, por fim, o músico recebeu a conta. Foi condenado pelo governo norte-americano a pagar divulgados US$ 100 mil por ferir a norma "Trading with the Enemy Act", que proíbe comércio com Cuba desde 1962.
O estopim foi o disco "Mambo Sinuendo", que Cooder gravou em parceria com o guitarrista cubano Manuel Galbán e lançou no início deste ano nos Estados Unidos. No dia 15 a Warner coloca o "pomo" para circular no Brasil.
Foi para falar sobre o CD que Cooder conversou, por telefone, com a Folha esta semana. E fora desse território, o do CD, o músico californiano se mostrou pouco à vontade. "Não sei nada sobre o governo de Cuba. Só sei fazer discos", disse. E sustentou que os CDs cubanos que fez após o Buena Vista foram autorizados pelo presidente Bill Clinton.
"Foi a única vez em 40 anos que um americano teve permissão para trabalhar lá", afirma.
Sobre o presidente que o multou, e sua ofensiva iraquiana, Cooder despistou. "É algo fora de nosso controle", diz o artista.
Controle que ele terá de sobra caso queira voltar a Cuba. Com novas expedições para lá proibidas, Cooder termina de saborear seu último daiquiri sem saber o próximo destino. Parceiro de outras world musics, da Índia à África, ele demonstra que o Brasil não está em sua luneta. "Para ser sincero, não conheço muito. Gosto de capoeira, mas não sei fazê-lo." Leia a seguir trechos da entrevista com Ry Cooder, 56.
 

Folha - "Buena Vista Social Club" lhe projetou mais como produtor do que como músico. Por que você escolheu Manuel Galbán, e não os "buenos-vistas" Compay Segundo ou Ibrahim Ferrer, para dividir a sua "estréia" instrumental desses seis anos cubanos?
Ry Cooder -
Com "Buena Vista", percebi que os velhos mestres, como Compay Segundo e Ruben Gonzalez, faziam o que faziam, e seria muito difícil mudar o modo deles tocarem. Se eu quisesse fazer algum álbum com alguém do pessoal lá de baixo no qual eu pudesse tocar do meu jeito eu precisaria achar alguém maleável.
Galbán domina o tradicional, mas também toca uma guitarra pop cubana de que gosto muito.

Folha - O sr. deu, e continua dando, inegável fôlego a toda uma geração de cubanos esquecidos. Mas existe uma crítica de que a explosão mundial desses veteranos poderia ofuscar as novas gerações de músicos do país?
Cooder -
Isso é uma estupidez. Ninguém fora de Cuba tinha ouvido esse pessoal do Buena Vista. É algo como se ninguém tivesse ouvido Louis Armstrong no mundo todo. Quando escutassem o que diriam? Vocês erraram.
Depois que a coisa explodiu, outros músicos cubanos foram beneficiados, e começaram a fazer turnês fora do país. Acho horrível que me culpem de ter feito o que quis. Todos podem fazer o mesmo. Vivemos em um mundo basicamente livre.

Folha - Em relação a isto, queria saber como foi a experiência em Cuba. Nos seus trabalhos por lá você circulou livremente ou houve controle por parte do governo?
Cooder -
Não sei nada sobre o governo de Cuba. Só sei fazer discos. Foram fáceis os seis anos lá em baixo. Eu e minha equipe chegávamos, fazíamos compras no aeroporto, íamos ao hotel, ao estúdio, gravávamos e pronto. Nada mais simples. Não tivemos interferências do governo cubano.

Folha - E do governo americano, que o multou recentemente por ferir o embargo cubano?
Cooder -
O governo americano interferiu. Pelo embargo, eu não poderia ter feito "Buena Vista". Depois que fiz tive de me explicar. Quando planejei "Mambo" decidi que iria com aprovação do governo. Clinton, antes de sair, me deu licença para um ano em Cuba. O "visto" venceu com este CD. Foi a única vez em 40 anos de embargo que um americano teve permissão para trabalhar lá.

Folha - E a multa de US$ 100 mil? Cooder - Tive de pagar para a administração Bush, mas foi um valor menor. Inicialmente era uma soma alta, mas os advogados conseguiram abaixá-la.

Folha - O sr. indiretamente elogia Clinton e critica Bush. Como avalia a atuação Bush no Iraque?
Cooder -
Não há nada que se possa dizer ou fazer. Francamente é algo fora de nosso controle. Só posso dizer que se é para ter uma guerra e se as pessoas não gostam disso, elas talvez pudessem insistir na paz, mas isso é algo que todos têm de fazer juntos, não adianta cada um falar isolado.


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