São Paulo, sábado, 04 de abril de 2009

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RODAPÉ LITERÁRIO

Verdades ocultas


Contos do argentino Leopoldo Lugones são precursores da literatura fantástica de Borges e de Cortázar


MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

REUNIDAS NUM único volume, as narrativas de "As Forças Estranhas" (1906) e "Contos Fatais" (1924) são precedidas de excelente introdução ao escritor argentino Leopoldo Lugones (1874-1938). Nesse ensaio, Miguel Dalmaroni, professor da Universidade de La Plata, mostra como o autor vanguardista foi também um orador e ideólogo que via na figura do poeta uma espécie de oráculo de verdades fatais a serem impostas à sociedade massificada.
Em Lugones, o reacionarismo político se associava a um culto à hierarquia espiritual justificado por doutrinas teosóficas sobre as leis que regem os elementos. Deixando de lado credos esdrúxulos -e a poesia de "Os Crepúsculos do Jardim" e "Lunário Sentimental"-, resultam daí contos que antecipam a prosa ao mesmo tempo cerebral e metafísica de Borges ou Cortázar. Quem lê os contos de Lugones fora da tradição fantástica argentina, porém, pode fazer outras associações -mesmo que dentro do imaginário "platense". É possível, por exemplo, ver reverberações de Lugones em Roberto Arlt ("Os Sete Loucos").
Ambos são criadores de personagens que vivem no mundo paralelo das sociedades secretas, tramando a sublevação planetária e a instauração de uma nova ordem universal. E ambos fazem da Buenos Aires que se moderniza o cenário de um "misticismo industrial" (Arlt) alicerçado em saberes paracientíficos de uma época na qual a fúria tecnológica prometia reparação para o desencantamento do mundo.
É esse o tema do melhor conto do volume, "Yzur", no qual o narrador tenta ensinar um macaco a falar. Sua premissa, baseada em pesquisas livrescas, é que os símios outrora falavam, mas tiveram tal faculdade extirpada no curso da evolução, sob efeito do "despotismo de sombria barbárie" exercido pelo outro antropoide (o homem). A ironia é que, ao tentar impor a palavra ao chimpanzé Yzur, como forma de reverter a ofensa da evolução, ele reitera seus horrores -em conto que também pode ser lido à luz das teorias raciais do início do século 20.
Na ficção especulativa de Lugones, certas tramas são desencadeadas quando um douto narrador, encerrado em sua biblioteca, descobre a chave para enigmas cosmológicos: "Nunca como naquela manhã, havia dado melhor fruto minha laboriosa solidão", diz a personagem de "O Punhal" antes de receber o remanescente de uma irmandade oriental que combatera os Templários.
Alegorias ("Os Cavalos de Abdera"), fábulas bíblicas ("A Estátua de Sal", baseada no mito de Sodoma e Gomorra) e uma magnífica atualização portenha da cena libertina ("O Segredo de Dom Juan") são alguns pontos de fuga criados por Lugones para desocultar suas verdades.


AS FORÇAS ESTRANHAS / CONTOS FATAIS

Autor: Leopoldo Lugones
Tradução: André de Oliveira Lima e Maria Paula Gurgel Ribeiro
Editora: Globo
Quanto: R$ 35 (308 págs.)
Avaliação: ótimo



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