São Paulo, sábado, 04 de abril de 2009

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LIVROS

Crítica/ "Wagner em Bayreuth"

Obra de Nietzsche é documento de sua idolatria por Wagner

Livro expõe amizade complexa com o compositor que mais tarde o filósofo passaria a chamar de "artista da decadência"

IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A relação entre o filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900) e o compositor Richard Wagner (1813-1883) passou bruscamente dos beijos para os tapas. Pertence ainda à fase das carícias "Wagner em Bayreuth", que a Jorge Zahar está fazendo chegar ao mercado brasileiro.
Compositor diletante -e de uma mediocridade abrumadora, pelo que fazem crer suas obras lançadas em CD-, Nietzsche, 31 anos mais jovem que Wagner, travou conhecimento com o autor de "Tristão e Isolda" em Leipzig, em 1868. O jovem professor de filologia logo se deixou seduzir pelo músico consagrado, ao qual dedicaria seu primeiro livro, "O Nascimento da Tragédia". Em 1875, quando o autor de "Lohengrin" estava na iminência de realizar o sonho de ter um teatro construído de acordo com suas determinações, regidiu "Wagner em Bayreuth".
Bayreuth é a cidade alemã localizada entre Munique (onde reinava Ludwig, seu mecenas) e Berlim (onde governava Bismarck, o líder da unificação alemã) que Wagner escolheu para construir a casa de ópera que melhor se prestaria à realização de seu ideal estético da "Gesamtkunstwerk" -a obra de arte total, que realizaria contemporaneamente a síntese de todas as artes presentes no teatro grego antigo.
Embora o êxito de Wagner na tal da "Gesamtkunstwerk" seja objeto de controvérsia (afinal, em suas óperas, a música parece ter a proeminência com relação às outras artes), o projeto Bayreuth obteve êxito: com a encenação da tetralogia "O Anel do Nibelungo" (formada pelas óperas "O Ouro do Reno", "A Valquíria", "Siegfried" e "O Crepúsculo dos Deuses"), o teatro foi inaugurado em 1876. Até hoje, a cidade tem um festival dedicado apenas às óperas do compositor. A espera por ingressos pode chegar a sete anos.

Antes da ruptura
Aparentemente, toda essa idolatria em torno de Wagner foi um dos motivos que levaram Nietzsche a dele se afastar. Contudo, embora a ruptura fosse iminente, nenhuma tensão se faz notar em "Wagner em Bayreuth", cujo tom é de hagiografia. E os elogios não se restringem à música.
Por exemplo: embora os libretos wagnerianos sejam frequentemente tidos como obscuros e prolixos, Nietzsche não tem pudores em afirmar, por exemplo, que "a poesia de Wagner expressa tal prazer com a língua alemã, estabelecendo com ela uma relação tão afetuosa e sincera como não sentimos, com exceção de Goethe, em nenhum outro alemão". E os modelos para seu elogio vêm da Grécia antiga. O criador de "Zaratustra" não apenas vê no autor do "Navio Fantasma" um equivalente contemporâneo do dramaturgo Ésquilo, como ainda enxerga nele uma integridade digna de empunhar a lanterna de Demóstenes.
Como sabem os leitores de "O Caso Wagner", essa opinião logo iria mudar. Nietzsche conceberia seu Zaratustra como um antídoto ao Parsifal wagneriano, idolatraria a "Carmen", de Bizet, e veria em Wagner "o artista da decadência", que "torna doente tudo o que toca".
Documento de uma amizade complexa e fadada a perecer em breve, seria "Wagner em Bayreuth" a manifestação de ilusões que Nietzsche estava fadado a perder, ou a expressão de verdades que ele mais tarde se recusaria a enxergar?


WAGNER EM BAYREUTH

Autor: Friedrich Nietzsche
Tradução: Anna Hartmann Cavalcanti
Editora: Jorge Zahar
Quanto: R$ 34,90 (180 págs.)
Avaliação: bom



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