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LIVROS
Crítica/ "Wagner em Bayreuth"
Obra de Nietzsche é documento de sua idolatria por Wagner
Livro expõe amizade complexa com o compositor que mais tarde o filósofo passaria a chamar de "artista da decadência"
IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A relação entre o filósofo
Friedrich Nietzsche
(1844-1900) e o compositor Richard Wagner (1813-1883) passou bruscamente dos
beijos para os tapas. Pertence
ainda à fase das carícias "Wagner em Bayreuth", que a Jorge
Zahar está fazendo chegar ao
mercado brasileiro.
Compositor diletante -e de
uma mediocridade abrumadora, pelo que fazem crer suas
obras lançadas em CD-,
Nietzsche, 31 anos mais jovem
que Wagner, travou conhecimento com o autor de "Tristão
e Isolda" em Leipzig, em 1868.
O jovem professor de filologia logo se deixou seduzir pelo
músico consagrado, ao qual dedicaria seu primeiro livro, "O Nascimento da Tragédia". Em
1875, quando o autor de "Lohengrin" estava na iminência
de realizar o sonho de ter um
teatro construído de acordo
com suas determinações, regidiu "Wagner em Bayreuth".
Bayreuth é a cidade alemã localizada entre Munique (onde
reinava Ludwig, seu mecenas) e
Berlim (onde governava Bismarck, o líder da unificação alemã) que Wagner escolheu para
construir a casa de ópera que
melhor se prestaria à realização
de seu ideal estético da "Gesamtkunstwerk" -a obra de arte total, que realizaria contemporaneamente a síntese de todas as artes presentes no teatro
grego antigo.
Embora o êxito de Wagner
na tal da "Gesamtkunstwerk"
seja objeto de controvérsia (afinal, em suas óperas, a música
parece ter a proeminência com
relação às outras artes), o projeto Bayreuth obteve êxito:
com a encenação da tetralogia
"O Anel do Nibelungo" (formada pelas óperas "O Ouro do Reno", "A Valquíria", "Siegfried" e
"O Crepúsculo dos Deuses"), o
teatro foi inaugurado em 1876.
Até hoje, a cidade tem um festival dedicado apenas às óperas
do compositor. A espera por ingressos pode chegar a sete anos.
Antes da ruptura
Aparentemente, toda essa
idolatria em torno de Wagner
foi um dos motivos que levaram Nietzsche a dele se afastar.
Contudo, embora a ruptura
fosse iminente, nenhuma tensão se faz notar em "Wagner
em Bayreuth", cujo tom é de
hagiografia. E os elogios não se
restringem à música.
Por exemplo: embora os libretos wagnerianos sejam frequentemente tidos como obscuros e prolixos, Nietzsche não
tem pudores em afirmar, por
exemplo, que "a poesia de Wagner expressa tal prazer com a
língua alemã, estabelecendo
com ela uma relação tão afetuosa e sincera como não sentimos, com exceção de Goethe,
em nenhum outro alemão".
E os modelos para seu elogio
vêm da Grécia antiga. O criador
de "Zaratustra" não apenas vê
no autor do "Navio Fantasma"
um equivalente contemporâneo do dramaturgo Ésquilo, como ainda enxerga nele uma integridade digna de empunhar a
lanterna de Demóstenes.
Como sabem os leitores de
"O Caso Wagner", essa opinião
logo iria mudar. Nietzsche conceberia seu Zaratustra como
um antídoto ao Parsifal wagneriano, idolatraria a "Carmen",
de Bizet, e veria em Wagner "o
artista da decadência", que
"torna doente tudo o que toca".
Documento de uma amizade
complexa e fadada a perecer
em breve, seria "Wagner em
Bayreuth" a manifestação de
ilusões que Nietzsche estava fadado a perder, ou a expressão
de verdades que ele mais tarde
se recusaria a enxergar?
WAGNER EM BAYREUTH
Autor: Friedrich Nietzsche
Tradução: Anna Hartmann Cavalcanti
Editora: Jorge Zahar
Quanto: R$ 34,90 (180 págs.)
Avaliação: bom
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