São Paulo, sábado, 04 de abril de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVROS

Crítica/"Os Exilados de Montparnasse"

Autor narra "desterro cultural" de artistas que adotaram Paris

Francês aborda disputas, amores e rancores de integrantes da "geração perdida"

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

As hordas de turistas que hoje ocupam as calçadas da capital francesa estão sempre em busca de algo que, se Paris um dia teve, já faz tempo que perdeu nas brumas da globalização. O que a cidade viu crescer e se reproduzir nos últimos séculos foi toda uma mitologia da liberdade, nascida sob o vendaval da Revolução Francesa e hoje convertida ao "prêt-à-porter" das artes, das modas e do que mais for preciso para se sentir "único".
Um dos momentos mais marcantes da fase madura desse mito aconteceu ao longo dos anos 20, quando Paris exalava um perfume de libertinagem, tanto comportamental como artística. Foi isso que atraiu para lá centenas de imigrantes, provisórios ou não, vindos dos quatro cantos de uma Europa destroçada pela Primeira Guerra, e sobretudo dos EUA íntegros e puritanos. É a essa encantadora forma de desterro que o escritor francês Jean-Paul Caracalla se dedica a detalhar o comportamento em "Os Exilados de Montparnasse".
Atraídos pela fama de liberdade, pelos encantos de uma boemia supostamente capaz de aditivar quaisquer ideais de ruptura na criação (o modernismo está a pleno vapor, é bom lembrar) e, sempre importante, por uma taxa de câmbio vantajosíssima (US$ 1 equivalia a 55 francos), os americanos lideravam a colônia de "exilados". Reuniram-se no "The Quarter", nome que a colônia anglo-americana se referia à área de Montparnasse. "Residência das Musas na Grécia Antiga, aquele "mont Parnasse", monte Parnaso, se torna para eles o Olimpo, um ponto de encontro internacional dos poetas, escritores, pintores e suas excêntricas inspiradoras", esclarece Caracalla sempre com uma suave ironia.
Dois pontos cardeais ajudarão os exilados a se orientarem no dédalo daquela capital da modernidade: o nº 27 da rue de Fleurus e o 12 da rue de l'Odéon. O primeiro abrigava a moradia-ateliê onde a pioneira Gertrude Stein e seu irmão Leo traduziam para os recém-chegados qualquer novo sinal de ruptura. O outro foi o encontrado por Sylvia Beach para instalar a Shakespeare & Co, mítica livraria que, além de abrigar publicações censuradas do outro lado da Mancha e do Atlântico, aventurou-se na edição e fez história ao publicar o "Ulisses", de James Joyce, em 1922.

"Geração perdida"
As disputas, os amores e os rancores dos mais ilustres integrantes dessa "geração perdida", como Gertrude Stein designou aquele grupo de identidade vacilante, tornam a leitura do livro uma delícia. Caracalla recorre, é claro, a um tanto de fofoca ou apimenta com maldades os relatos que, de outra forma, poderiam resultar em enfadonhas reconstituições de detalhes biográficos. Mas, se até a vida dos deuses do Olimpo original tiveram direito a certos detalhes de menor grandeza, por que esses ídolos do século passado também não teriam?


OS EXILADOS DE MONTPARNASSE

Autor: Jean-Paul Caracalla
Tradução: Véra Lucia dos Reis
Editora: Record
Quanto: R$ 40 (294 págs.)
Avaliação: bom



Texto Anterior: Livros/Crítica/ "Wagner em Bayreuth": Obra de Nietzsche é documento de sua idolatria por Wagner
Próximo Texto: Bairro de Paris recebeu escritores
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.