|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LITERATURA OU MORTE
Escritor pretende levar aos palcos sua primeira incursão na dramaturgia
Carvalho vai ao teatro com "Sade"
Lenise Pinheiro/Folha Imagem
|
O escritor e jornalista Bernardo Carvalho, que está lançando o livro "Medo de Sade" (Companhia das Letras), em seu apartamento , em São Paulo |
NELSON DE SÁ
da Reportagem Local
Foi uma encomenda da Companhia das Letras, um livro com
um crime e o nome de Sade no título, mas o escritor e colunista da
Folha Bernardo Carvalho, 39, se
arriscou por um caminho inédito
para ele, o teatro.
"Medo de Sade" é sua primeira
peça, da qual fala com empolgação, disposto a ensaios, a rever o
texto com atores, até reescrever.
Em entrevista, relata essa aproximação do teatro, que não é nova.
"Medo de Sade" tem lançamento hoje, às 19h, na Bienal, com a
mesa-redonda "Os Crimes da Ficção". O livro é o quarto da série
"Literatura ou Morte", da editora
Companhia das Letras, que já lançou "A Morte de Rimbaud", de
Leandro Konder, "Stevenson sob
as Palmeiras", de Alberto Manguel, e "O Doente Molière", de
Rubem Fonseca.
Folha - Em Nova York, há vários anos, você me disse que tinha um interesse especial por
teatro. Depois escreveu "Teatro", o romance, e agora a peça.
Bernardo Carvalho - Eu sempre
tive um interesse grande mesmo.
A coisa da encenação, do palco.
Eu queria ser cenógrafo, numa
época. Traduzir em três dimensões uma idéia, eu acho isso maravilhoso. E sempre gostei de alguns diretores. Quando fui para a
França, tinha um velhinho, Claude Régy, um cara de vanguarda.
Folha - Richard Foreman não
foi outro?
Carvalho - Eu adoro. Mesmo
Bob Wilson, no começo. Eu sempre quis fazer uma peça e achei
que a encomenda do "Sade" era
um pretexto para arriscar. E o Sade escreveu muito para teatro. Era
uma referência para eu poder
brincar e fazer uma peça.
Folha - Sade, mesmo em prosa, tem um viés teatral. "Teatro"
também tem isso, não?
Carvalho - Tem, mas menos,
porque não tem os diálogos. É
uma forma de ser do contra, de
ser meio espírito de porco, de fazer os diálogos em terceira pessoa. É sempre um grande monólogo que vai engolindo o que as
outras pessoas falam.
Folha - Como no segundo ato
de "Medo de Sade"?
Carvalho - É, o segundo ato é totalmente isso. Eu fui tentando,
tentando, aí chegou uma hora em
que não deu mais e eu voltei para
o que eu sempre fui.
Folha - Já me falaram de uma
sensualidade que vêem nos
seus livros.
Carvalho - Tem sempre uma
coisa sexual muito presente, mas
é um ambiente de terror.
Folha - Marquês de Sade.
Carvalho - É engraçado, porque
eu não consigo entender direito o
Sade. Ele é talvez mais radical do
que qualquer escritor. É uma visão trágica do ser humano, profunda, meio insuportável. Essa
idéia de que você nasce para matar e morrer. Eu não sou muito
próximo disso, na verdade. "Medo de Sade" tem essa coisa sexual
o tempo inteiro, num inferno.
Uma vez um sujeito me escreveu uma carta. Só me escreve gente louca. "Cadê o prazer? Cadê o
prazer?" Era isso a carta. Ele tem
razão. Aparentemente não há
prazer nenhum. Isso o Sade tem
também: no meio do inferno tem
o livro como prova de que acredita em alguma coisa. O mundo está
acabando, você é totalmente niilista, mas fez um livro.
Folha - Por que "Medo"?
Carvalho - Pensei em fazer o
próprio Sade morrer de medo. Seria "O Medo de Sade". Aí a coisa
foi mudando, mas eu gostei do título. E tem a história do casal no
segundo ato, que é um teatro de
horrores. Achei legal eles chamarem esse jogo de "medo de Sade".
Folha - Como foi escrever por
encomenda?
Carvalho - Foi uma encomenda
sem muitos limites. As únicas
coerções eram ter o nome de um
autor no título e um crime. Não
precisava ser romance policial
nem histórico. Foi legal, me obrigou a sair em outra direção, levando, lógico, a minha bagagem.
Folha - Você quer que "Sade"
seja montada?
Carvalho - Na verdade, se eu
fosse um cara corajoso, eu gostaria de montar eu mesmo. Eu sei
exatamente como é a passagem
do primeiro ato para o segundo,
cenicamente. Seria escuro o tempo inteiro e, na hora em que mudasse, na última frase, teria um estalo, que nem um interruptor,
mas com uma repercussão grande, "plac!", e ficaria tudo branco
no teatro, a ponto de as pessoas
não conseguirem enxergar, e começaria o segundo ato.
Texto Anterior: Debate: Relação de Brasil e Portugal é discutida Próximo Texto: Livro ultrapassa enredo policial Índice
|