São Paulo, quinta-feira, 04 de maio de 2000


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LITERATURA OU MORTE
Escritor pretende levar aos palcos sua primeira incursão na dramaturgia
Carvalho vai ao teatro com "Sade"

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
O escritor e jornalista Bernardo Carvalho, que está lançando o livro "Medo de Sade" (Companhia das Letras), em seu apartamento , em São Paulo


NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

Foi uma encomenda da Companhia das Letras, um livro com um crime e o nome de Sade no título, mas o escritor e colunista da Folha Bernardo Carvalho, 39, se arriscou por um caminho inédito para ele, o teatro.
"Medo de Sade" é sua primeira peça, da qual fala com empolgação, disposto a ensaios, a rever o texto com atores, até reescrever. Em entrevista, relata essa aproximação do teatro, que não é nova.
"Medo de Sade" tem lançamento hoje, às 19h, na Bienal, com a mesa-redonda "Os Crimes da Ficção". O livro é o quarto da série "Literatura ou Morte", da editora Companhia das Letras, que já lançou "A Morte de Rimbaud", de Leandro Konder, "Stevenson sob as Palmeiras", de Alberto Manguel, e "O Doente Molière", de Rubem Fonseca.

Folha - Em Nova York, há vários anos, você me disse que tinha um interesse especial por teatro. Depois escreveu "Teatro", o romance, e agora a peça.
Bernardo Carvalho -
Eu sempre tive um interesse grande mesmo. A coisa da encenação, do palco. Eu queria ser cenógrafo, numa época. Traduzir em três dimensões uma idéia, eu acho isso maravilhoso. E sempre gostei de alguns diretores. Quando fui para a França, tinha um velhinho, Claude Régy, um cara de vanguarda.

Folha - Richard Foreman não foi outro?
Carvalho -
Eu adoro. Mesmo Bob Wilson, no começo. Eu sempre quis fazer uma peça e achei que a encomenda do "Sade" era um pretexto para arriscar. E o Sade escreveu muito para teatro. Era uma referência para eu poder brincar e fazer uma peça.

Folha - Sade, mesmo em prosa, tem um viés teatral. "Teatro" também tem isso, não?
Carvalho -
Tem, mas menos, porque não tem os diálogos. É uma forma de ser do contra, de ser meio espírito de porco, de fazer os diálogos em terceira pessoa. É sempre um grande monólogo que vai engolindo o que as outras pessoas falam.

Folha - Como no segundo ato de "Medo de Sade"?
Carvalho -
É, o segundo ato é totalmente isso. Eu fui tentando, tentando, aí chegou uma hora em que não deu mais e eu voltei para o que eu sempre fui.

Folha - Já me falaram de uma sensualidade que vêem nos seus livros.
Carvalho -
Tem sempre uma coisa sexual muito presente, mas é um ambiente de terror.

Folha - Marquês de Sade.
Carvalho -
É engraçado, porque eu não consigo entender direito o Sade. Ele é talvez mais radical do que qualquer escritor. É uma visão trágica do ser humano, profunda, meio insuportável. Essa idéia de que você nasce para matar e morrer. Eu não sou muito próximo disso, na verdade. "Medo de Sade" tem essa coisa sexual o tempo inteiro, num inferno.
Uma vez um sujeito me escreveu uma carta. Só me escreve gente louca. "Cadê o prazer? Cadê o prazer?" Era isso a carta. Ele tem razão. Aparentemente não há prazer nenhum. Isso o Sade tem também: no meio do inferno tem o livro como prova de que acredita em alguma coisa. O mundo está acabando, você é totalmente niilista, mas fez um livro.

Folha - Por que "Medo"?
Carvalho -
Pensei em fazer o próprio Sade morrer de medo. Seria "O Medo de Sade". Aí a coisa foi mudando, mas eu gostei do título. E tem a história do casal no segundo ato, que é um teatro de horrores. Achei legal eles chamarem esse jogo de "medo de Sade".

Folha - Como foi escrever por encomenda?
Carvalho -
Foi uma encomenda sem muitos limites. As únicas coerções eram ter o nome de um autor no título e um crime. Não precisava ser romance policial nem histórico. Foi legal, me obrigou a sair em outra direção, levando, lógico, a minha bagagem.

Folha - Você quer que "Sade" seja montada?
Carvalho -
Na verdade, se eu fosse um cara corajoso, eu gostaria de montar eu mesmo. Eu sei exatamente como é a passagem do primeiro ato para o segundo, cenicamente. Seria escuro o tempo inteiro e, na hora em que mudasse, na última frase, teria um estalo, que nem um interruptor, mas com uma repercussão grande, "plac!", e ficaria tudo branco no teatro, a ponto de as pessoas não conseguirem enxergar, e começaria o segundo ato.


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