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QUADRINHOS
Série "Gen - Pés Descalços", do japonês Keiji Nakazawa, tem quarto e último volume lançado no Brasil
Explosão de Hiroshima é retratada em HQ
FREE-LANCE PARA A FOLHA
"Corpos foram carbonizados instantaneamente pela onda de calor de 6.000 graus...
Pessoas perambulavam com tiras
de carne dilacerada penduradas
em seus braços e pernas... (...) Intestinos pendentes de abdomens
escancarados pela força da explosão de 400 metros por segundo.
Essas figuras sinistras, mal reconhecíveis como humanas, cambaleavam pelas ruas como um
desfile macabro. Era o verdadeiro
inferno sobre a terra."
Essa descrição do holocausto
nuclear na cidade japonesa de
Hiroshima, causado pelo lançamento de uma bomba atômica de
urânio pelos norte-americanos
em 6 de agosto de 1945, nos últimos momentos da Segunda
Guerra Mundial, é do cartunista
Keiji Nakazawa, autor da série de
histórias em quadrinhos "Gen
-0Pés Descalços", cujo quarto e
último volume, "O Recomeço", é
lançado no Brasil.
Nakazawa nasceu em
Hiroshima e tinha seis anos quando a bomba foi lançada. Ele estava
a pouco mais de um quilômetro
do local da explosão e sobreviveu
milagrosamente, pois estava à
sombra de um muro de concreto,
do lado de fora de sua escola. É a
sua história real e a de sua família
que é mostrada com dramaticidade extrema em "Gen".
A série foi publicada originalmente no Japão entre 72 e 73, virou filme e desenho animado nos
anos 70 e teve seu primeiro número publicado no Brasil em 99.
A história é conduzida por Gen
(pronuncia-se "guen", que quer
dizer raízes ou fonte), um menino
de sete anos que perde o pai e dois
irmãos na explosão e precisa cuidar da mãe e da irmã recém-nascida. Neste último volume, a história começa com a rendição incondicional do Japão, anunciada
por rádio pelo imperador Hirohito em 15 de agosto de 1945.
Pouco a pouco, os habitantes de
uma Hiroshima em escombros
procuram reestruturar suas vidas,
lutando contra a fome e a falta de
abrigo, além de conviver com a
morte constante das vítimas da
radiação e com a presença de soldados dos EUA.
As situações dramáticas são
muitas: um amigo de Gen é assassinado por um soldado americano quando tenta roubar comida
de um quartel; outro, também órfão, mata dois bandidos e é adotado por gângsteres, como um soldadinho do crime; e Gen ainda
tem de suportar humilhações de
colegas de escola por ter perdido o
cabelo e tem de procurar pela irmã, que é raptada.
Nakazawa não deixa de exprimir sua revolta pelo lançamento
da bomba norte-americana, mas
suas críticas mais duras são endereçadas aos líderes japoneses e ao
ufanismo cego que tomou conta
da população durante a guerra.
Mas saber que o conteúdo de
"Gen" é real é que a torna uma
obra única. O desenho de Nakazawa é banal, repleto dos estereótipos do mangá -HQ em estilo
japonês- e não impressiona,
mas, por outro lado, a narrativa,
simples e direta, proporciona
uma leitura reveladora e simplesmente emocionante.
E, apesar de tanta desgraça, Nakazawa não permite que "Gen"
seja deprimente. Pelo contrário.
Como nas grandes obras, há espaço para o humor e, principalmente, para a esperança, com um final
digno de um filme de Chaplin.
É significativo notar que a progressão das capas dos quatro títulos da série -os três primeiros
chamam-se "Uma História de
Hiroshima", "O Dia Seguinte" e
"A Vida Após a Bomba"- mostra o rosto de Gen caminhando do
choro para um sorriso.
(MARCELO VALLETTA)
Gen - Pés Descalços: O
Recomeço
Hadashi no Gen
Autor: Keiji Nakazawa
Tradução: Suara Bastos e José Carlos
Maruoka
Editora: Conrad
Quanto: R$ 23,80 (290 págs.)
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