São Paulo, sexta-feira, 04 de maio de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

QUADRINHOS

Série "Gen - Pés Descalços", do japonês Keiji Nakazawa, tem quarto e último volume lançado no Brasil

Explosão de Hiroshima é retratada em HQ

FREE-LANCE PARA A FOLHA

"Corpos foram carbonizados instantaneamente pela onda de calor de 6.000 graus... Pessoas perambulavam com tiras de carne dilacerada penduradas em seus braços e pernas... (...) Intestinos pendentes de abdomens escancarados pela força da explosão de 400 metros por segundo. Essas figuras sinistras, mal reconhecíveis como humanas, cambaleavam pelas ruas como um desfile macabro. Era o verdadeiro inferno sobre a terra."
Essa descrição do holocausto nuclear na cidade japonesa de Hiroshima, causado pelo lançamento de uma bomba atômica de urânio pelos norte-americanos em 6 de agosto de 1945, nos últimos momentos da Segunda Guerra Mundial, é do cartunista Keiji Nakazawa, autor da série de histórias em quadrinhos "Gen -0Pés Descalços", cujo quarto e último volume, "O Recomeço", é lançado no Brasil.
Nakazawa nasceu em Hiroshima e tinha seis anos quando a bomba foi lançada. Ele estava a pouco mais de um quilômetro do local da explosão e sobreviveu milagrosamente, pois estava à sombra de um muro de concreto, do lado de fora de sua escola. É a sua história real e a de sua família que é mostrada com dramaticidade extrema em "Gen".
A série foi publicada originalmente no Japão entre 72 e 73, virou filme e desenho animado nos anos 70 e teve seu primeiro número publicado no Brasil em 99.
A história é conduzida por Gen (pronuncia-se "guen", que quer dizer raízes ou fonte), um menino de sete anos que perde o pai e dois irmãos na explosão e precisa cuidar da mãe e da irmã recém-nascida. Neste último volume, a história começa com a rendição incondicional do Japão, anunciada por rádio pelo imperador Hirohito em 15 de agosto de 1945.
Pouco a pouco, os habitantes de uma Hiroshima em escombros procuram reestruturar suas vidas, lutando contra a fome e a falta de abrigo, além de conviver com a morte constante das vítimas da radiação e com a presença de soldados dos EUA.
As situações dramáticas são muitas: um amigo de Gen é assassinado por um soldado americano quando tenta roubar comida de um quartel; outro, também órfão, mata dois bandidos e é adotado por gângsteres, como um soldadinho do crime; e Gen ainda tem de suportar humilhações de colegas de escola por ter perdido o cabelo e tem de procurar pela irmã, que é raptada.
Nakazawa não deixa de exprimir sua revolta pelo lançamento da bomba norte-americana, mas suas críticas mais duras são endereçadas aos líderes japoneses e ao ufanismo cego que tomou conta da população durante a guerra.
Mas saber que o conteúdo de "Gen" é real é que a torna uma obra única. O desenho de Nakazawa é banal, repleto dos estereótipos do mangá -HQ em estilo japonês- e não impressiona, mas, por outro lado, a narrativa, simples e direta, proporciona uma leitura reveladora e simplesmente emocionante.
E, apesar de tanta desgraça, Nakazawa não permite que "Gen" seja deprimente. Pelo contrário. Como nas grandes obras, há espaço para o humor e, principalmente, para a esperança, com um final digno de um filme de Chaplin.
É significativo notar que a progressão das capas dos quatro títulos da série -os três primeiros chamam-se "Uma História de Hiroshima", "O Dia Seguinte" e "A Vida Após a Bomba"- mostra o rosto de Gen caminhando do choro para um sorriso. (MARCELO VALLETTA)


Gen - Pés Descalços: O Recomeço
Hadashi no Gen

    
Autor: Keiji Nakazawa
Tradução: Suara Bastos e José Carlos Maruoka
Editora: Conrad
Quanto: R$ 23,80 (290 págs.)




Texto Anterior: Peça é embate de cafetão e prostitutas
Próximo Texto: Pop de brinquedo
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.