EDER CHIODETTO
EDITOR-ADJUNTO DE FOTOGRAFIA

Fotografia? Também. Mas "Fotofagia", palavra criada para inventar a idéia de um processo pelo qual imagens se autodevoram é, de fato, a melhor definição para o trabalho do mineiro Eustáquio Neves, 46, que, a partir de hoje, abre mostra retrospectiva para o público no Espaço Imagem e Forma, em São Paulo, em mais uma exposição do 5º Mês Internacional da Fotografia.
Químico de formação, Eustáquio começou o seu trabalho autoral há dez anos em Belo Horizonte. "Havia um concurso de fotos sobre ambiente em que eu queria me inscrever. Juntei meus negativos e entrei no laboratório para ampliá-los. Comecei então a brincar de ampliar pedaços de vários negativos num papel fotográfico só. Entrei de manhã no laboratório e, quando saí, à noite, tinha construído uma imagem que me emocionou", diz.
A partir desse dia o então químico e fotógrafo desempregado passou a trabalhar exaustivamente, testando novas técnicas de colagens e interferências nas fotografias. Com pouco dinheiro para o material, Eustáquio testava ampliações em vários tipos de papel com emulsões caseiras. A escassez acabou por se tornar sua aliada.
Embora seu trabalho de construção de imagens -uma obra pode ser composta por fragmentos de até 15 negativos diferentes- conduza para uma aparente abstração, o tema possui sempre uma ligação forte com a crítica social. Foi assim desde "Caos Urbano", sua primeira série, de 1991, até a série de nus femininos, ainda em andamento, em que o artista discute a "objetização" do corpo feminino pela mídia.
Mas foi com a série "Arturos" que a obra do fotógrafo deu um salto e o projetou para dentro das galerias de arte do Brasil e dos EUA. Arturos é uma comunidade negra remanescente de quilombos que vive em Contagem (MG). Eustáquio fotografou manifestações típicas e pessoas da comunidade. "Rainha", o retrato com intervenções de uma senhora da comunidade, é uma das principais e mais belas imagens desta mostra.
O que era para ser uma das principais exposições do 5º Mês Internacional da Fotografia ficou extremamente prejudicada pelo espaço onde a organização do evento a colocou. A galeria Espaço e Forma, de espaço muito pequeno e forma ainda inacabada, apesar da simpatia de seus donos, não possui, ainda, envergadura nem infra-estrutura para receber exposições como esta.
Muitas das obras que Eustáquio costuma ampliar em grande formato ganharam versão reduzida para caber no espaço a ele destinado. Talvez fosse o caso de o artista ter optado por dar maior visibilidade a uma ou duas de suas séries em vez da retrospectiva.