São Paulo, sábado, 04 de maio de 2002

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"O PAÍS DISTORCIDO"

Coletânea de textos escritos pelo geógrafo entre 1981 e 2001 aborda Brasil, cidadania e globalização

Obra garimpa trabalho de Milton Santos

Jarbas Oliveira - 31.jan.2001/Folha Imagem
O geógrafo baiano Milton Santos (1926-2001), cujos artigos e entrevistas compõem "O País Distorcido", que chega às livrarias organizado por Wagner Costa Ribeiro


DENISE MOTA
EDITORA-ASSISTENTE DA ILUSTRADA

Entre seus indicadores, a baiana Brotas de Macaúbas tem duas escolas para o ensino médio, um banco, um hospital. E o maior nome da geografia brasileira.
Parte do pensamento do filho ilustre dessa terra de 13.003 habitantes -segundo contagem do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- está reunida em "O País Distorcido", coletânea de entrevistas e textos de Milton Santos (1926-2001) que chega às livrarias.
Do livro, do qual ainda consta bibliografia do geógrafo, voltam a emergir idéias defendidas por Santos, professor da USP e da Universidade Federal da Bahia -além de outros estabelecimentos no Brasil e fora do país-, em depoimentos e artigos de sua autoria publicados pela Folha por 20 anos, entre 1981 e 2001.
Idéias frequentemente desafiadoras do consenso, como a de que a reforma agrária aceleraria o êxodo rural -"Pedir às pessoas que fiquem no campo é uma herança romântica"- ou a de que a pesquisa deveria ser tema de debate também fora da universidade.
Para Wagner Costa Ribeiro, professor do departamento de geografia e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da USP e organizador de "O País Distorcido", Milton Santos foi um "militante pelas palavras", expressão que utiliza em sua apresentação da obra.
A coletânea está dividida em três vertentes -"O País Distorcido", "Por uma Globalização Mais Humana" e "Os Deficientes Cívicos"-, que tratam de temas em torno do qual se organizou a maior parte dos textos publicados na imprensa pelo geógrafo: Brasil, globalização e cidadania.
Ao longo deles, Milton Santos detecta problemas como a substituição do cidadão "pelo consumidor" e do debate político pelo "mercado eleitoral". Critica o alheamento dos brasileiros em relação à África, alerta para a obrigatoriedade de atenção ao cidadão, "esta categoria humana praticamente inexistente no Brasil", fala de preconceito racial. "Prefiro fazer compras em Nova York a fazê-las em São Paulo. (...) Sou olhado com desconfiança."
O território -tema que permeou a obra do geógrafo e que tinha, como uma de várias definições, o espaço geográfico comum onde se encontram "os poucos que sempre lucram" e os "muitos perdedores renitentes"- se faz permanentemente presente.
"Milton é o geógrafo mais completo do Brasil", diz Carlos Walter Porto Gonçalves, professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense e autor do ensaio sobre obra, método e conceitos de Milton Santos que encerra a coletânea. "Foi um tipo de intelectual hoje cada vez menos frequente. Construiu seu pensamento de forma dialógica, ao longo dos textos foi apurando sua própria verdade, dialogando com seus interlocutores e com seu auditório."
Na visão de Wagner Ribeiro, um dos grandes méritos do geógrafo foi ter focado "a reflexão na geografia a partir das realizações sociais". "Milton foi um dos responsáveis pela mudança do debate sobre globalização no Brasil, emprestou ao assunto um caráter crítico", completa Gonçalves. "Percebeu que a globalização não seria um processo único, mas que se abria a várias possibilidades."
Possibilidades que, apesar de serem calibradas pela insatisfação que demonstrava com a atualidade -o "meio técnico-científico-informacional", como os descrevia-, iniciavam o que o geógrafo chamou de "século das luzes", em que todos podem "entender o mundo como um todo, a dialética se torna patrimônio comum". Nos tempos que correm, vaticinava Milton Santos, será "a vida, isto é, a própria existência que ilumina o futuro".


O PAÍS DISTORCIDO - O BRASIL, A GLOBALIZAÇÃO E A CIDADANIA. Organização, apresentação e notas: Wagner Costa Ribeiro. Ensaio: Carlos Walter Porto Gonçalves. Editora: Publifolha. Quanto: R$ 25 (221 págs.).



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