São Paulo, domingo, 04 de maio de 2008

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Favoritas do Brasil

Entre personagens que "parecem seres humanos com todas as suas falhas, suas fraquezas", o repórter Paulo Sampaio vive um dia de novela nos estúdios da TV Globo

Rafael Andrade/ Folha Imagem
Mariana Ximenes, a filha, e Cláudia Raia, a mãe, "diferente de tudo o que eu já fiz"

Cláudia Raia põe as mãos nos lóbulos e fala baixo, mas abrindo bem a boca: "Tem U$ 80 mil aqui, só de brincos." Seu interlocutor é o marido, Edson Celulari, que foi buscá-la na gravação da festança de aniversário de 21 anos da personagem de Mariana Ximenes, Lara, na próxima novela das oito (que vai ao ar por volta de 21h e substituirá "Duas Caras" em junho). Em "A Favorita", Cláudia é Donatela (assim, como a Versace) e cria Lara, cuja mãe biológica, Patrícia Pillar (Flora), esteve presa por 20 anos e sai da cadeia no primeiro capítulo querendo reconquistar o que perdeu e colocar tudo em pratos limpos.

 

Como sempre acontece nas gravações dos primeiros capítulos de novela, os atores explicam nas entrevistas a "construção psicológica do personagem". Taís Araujo, por exemplo, que faz Alícia, conta que se submeteu à aplicação de um megahair, ganhou uma franja e precisa ter os olhos muito pintados. "A caracterização e o figurino são fundamentais para eu entender quem é a pessoa", diz ela, que tem sido comparada a Naomi Campbell.

 

Enrolada em um roupão atoalhado bege ("o vestido da Alícia é indecente, não quero me expor"), Taís nega que a personagem seja ninfomaníaca: "Isso é uma besteira que estão dizendo porque sexo vende. A Alícia é carente, louca para ser amada porque o pai não deu amor a ela, só dinheiro. Tanto que ela só quer ficar com o maior inimigo dele, por ser justamente o único que o enfrenta. Olha isso! Ninguém compõe personagens como o João (Emanuel Carneiro, autor da novela). Eles parecem seres humanos com todas as suas falhas, suas fraquezas...", acredita Taís, que usou como referência na construção de Alícia o filme "Palavras ao Vento".

 

O aniversário de Lara foi produzido no campo de futebol de uma propriedade do colégio Santo Agostinho (que ficou em segundo lugar do Brasil em ensino, pela avaliação do MEC), perto do Projac, em Jacarepaguá. Este é o segundo de cinco dias de gravação, e está ali boa parte do elenco: Cláudia, Mariana, Patrícia, "dona" Glória (Menezes), Mauro Mendonça, Murilo Benício, Milton Gonçalves, Taís Araujo, Elisângela e mais de 300 figurantes. As cenas são gravadas em um espaço de 2.000 m2, cercado por uma estrutura alta de paredes de treliça de madeira forradas de cortinas brancas. Há 30 mesas para os "convidados", bufê, orquestra com 17 músicos e telão que exibe fotos de Mariana Ximenes criança e adulta.

 

Cláudia Raia e Carmo Dalla Vecchia repetem pela oitava vez uma cena. Pede-se silêncio o tempo todo. Os jornalistas são controlados passo-a-passo pela assessoria de imprensa. É proibido se aproximar de algum ator, maquiador, figurinista, diretor, etc. sem autorização prévia. A informação mais ordinária é tratada como se fosse o endereço de Fidel Castro em Cuba. Desconfiadíssima, a assistente de figurino recusa-se terminantemente a dizer o próprio nome, depois de revelar que o vestido de Raia é de Sandro Barros. Em silêncio absoluto, olhando para os lados para não ser descoberta, ela escreve no bloco da reportagem o nome da figurinista, única autorizada a sair no jornal: "Cristina Wright".

 


Ricardo Waddington, o diretor, fala em um microfone, sentado atrás de uma barraca improvisada com um plástico preto e equipada com TVs de vários tamanhos. Único autorizado a quebrar o silêncio, ele orienta os técnicos de luz e som e solta piadinhas eventuais para descontrair: "A figuração pensa que está onde, na avenida Paulista? Ninguém olha para a câmera. Pode tomar o Sprite quente e fazer cara de felicidade. Quero alegria."

 

Agora a assessoria chama o grupo de jornalistas para entrevistar Mariana Ximenes. Ela passa a mão no cabelo cortado, sorri para os fotógrafos e sussurra para os repórteres: "Boa noite, gente." Está à vontade nesse vestido? "Eu, Mariana? Tô tranquila. A roupa é do personagem, então eu visto", explica ela, muito magra, espetacular em um longo tomara-que-caia salmão. Diz que sua personagem só está usando aquela roupa no dia do aniversário para agradar a mãe. "Ela é geóloga. O que faz um geólogo? Vai estudar fósseis. Abaixa, cava, procura", diz Mariana, que descobriu isso tudo assistindo a aulas na USP. Diz que a classe a recebeu com a maior naturalidade. "Imagina, eu também freqüento a filosofia como ouvinte", diz. Uma repórter pergunta se ela comemorou o aniversário, cinco dias antes, com um festão como o de Lara. Ela sorri, distante. "Fui dar um mergulho nas (ilhas) Cagarras (em frente à praia de Ipanema)."

 

Próxima: Cláudia Raia. A atriz explica que o longo verde com megadecote de cristais nas costas e detalhes do mesmo tecido pendendo nas laterais, como escamas de peixe, "é a cara da Donatela". Em seguida, diz uma frase que está na boca de todo o elenco: "É um personagem diferente de tudo o que eu já fiz". Cláudia ergue na lateral um pedaço do longo esvoaçante: "A Donatela nasceu pobre, perdeu o pai e a mãe em um acidente de ônibus, ficou sozinha naquela palafita...Gente, pensa bem, é muito difícil", diz ela, girando o anel com uma esmeralda do tamanho de um canapé, que faz conjunto com os brincos e a gargantilha.

 

De repente, cai um toró. Correria. Os figurantes vão parar embaixo de um galpão, onde é servida a "janta": dois pães, um bombom Sonho de Valsa, um pacote de biscoito Trakinas, um de Club Social, batata frita tipo palha de saquinho e refrigerante. André Villas Boas, 23, estudante de engenharia de petróleo e gás, abocanha seu bombom ao lado do colega de curso Rodrigo Leitão, 24. Cada um ganhou R$ 50. Mas eles contam que quem faz "personagem" ganha R$ 70. Personagem é o figurante que não fica apenas sentado, ou misturado em um bolo: pode ser o garçom, a empregada, o policial. Esses, de acordo com Ricardo Waddington, têm grandes chances de virar protagonista. "Essa história de que o bom ator vem do teatro não existe mais desde os anos 70", diz.


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