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POR QUE ESCREVO
Areia escorrendo
por entre os dedos
HELOISA SEIXAS
especial para a Folha
Há quem ache este um assunto proibido. Como tentar descrever um fantasma que se viu
-ou um sonho que se teve. Alguns escritores, quando começam a falar de seus livros e das
razões por que os fazem, são
acometidos da mesma frustração que sentimos ao contar um
sonho: acordamos impregnados por sensações, maravilhosas ou terríveis, mas, quando
começamos a tentar descrevê-las, vemos que o sonho se
torna instantaneamente tolo,
vazio, e que as sensações, antes
tão fortes, escapam-nos como
areia por entre os dedos.
O escritor argentino Rodolfo
Rabanal disse que, quando começa um livro, começa de fora
para dentro, tendo sempre
apenas uma certeza: a de que,
"no centro de tudo, há um
enorme vazio". Talvez por isso seja tão difícil. Porque, escrevendo, roçamos uma região
misteriosa, onde se esgarçam
as fronteiras entre realidade e
sonho, onde lidamos com o
desconhecido.
Certa vez um repórter perguntou a João Cabral de Melo
Neto por que ele fazia poesia.
Nelson Rodrigues, sabendo
disso, ficou revoltado. "João
Cabral faz poesia porque é
poeta. Assim como a galinha
põe ovos porque é galinha",
disse. É verdade. Acho que escrevemos, todos nós, porque
não podemos fazer outra coisa.
Não por vaidade ou sonho ou
vontade de permanecer -mas
por puro instinto de sobrevivência. Não por coragem, mas
por covardia.
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