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RECEITAS DO MELLÃO
Manoel nos ensina a galinha cabidela
HAMILTON MELLÃO JUNIOR
Colunista da Folha
O paulistano é um expansivo de
padaria. Entre médias e pães na
chapa, ele se mimetiza com balconistas e frequentadores, sem
distinção de classe, numa cumplicidade que o torna íntimo
provisório em segundos.
Ri, mostrando todas as
suas pontes e obturações,
discute futebol, novelas e
banalidades, despede-se e, à
luz do sol, retoma a persona
argentária e a simpatia estritamente mercantil -recursos
imprescindíveis para sobreviver nesta terra de bravos.
Ontem, vimos o proprietário
da panificadora Flor do Minho, seu Manoel (desculpem
o lugar-comum, mas o nome é esse mesmo), batendo na testa e dizendo:
"Ai, há quanto tempo
não como; ai, há
quanto tempo não
como...", sugerindo uma clássica piada de português.
Enquanto os outros riam e ele se
ruborizava pela indiscrição de ter
pensado alto, achei que o assunto
poderia ser gastronômico.
Sempre o tive como reservado e,
confesso, tinha pudores de palrear
com ele. Mas, num misto de curiosidade e compaixão, cheguei até o
balcão. Puxando assunto, ele me
contou, melancólico (e como pode
ser melancólico um português!):
"Há 25 anos que não como uma cabidela de galinha à Moçambique.
Que falta me faz o Telefone, o Relógio e, especialmente, a Geladeira".
Sem entender, retruquei: "Mas,
Manoel, tem tudo isso aqui". É que
eu não imaginava que "estes eram
os nomes dos meus criados lá em
Lourenço Marques. Tinha seis,
mas a Geladeira era a melhor cozinheira da cidade. E como me esquentava de noite! Os cubanos me
tiraram tudo e nem me deixaram
trazer a Geladeira!".
Sem mais, a conversa voltou à galinha: "Deve ser bem gorda. As
pretas são as melhores. Tira-se as
penugens do pescoço e sente-se,
com os dedos, a jugular. Num corte de aço fino, sangra-se numa vasilha com vinagre para não coagular". Seus olhos começam a marejar. Sem jeito, resolvi me despedir.
Saí, mas ele me chamou de volta e,
numa improvável generosidade,
me deu um saco cheio de sonhos.
Olho para eles agora. Não comi
nenhum. São simples sonhos de
que talvez, um dia, possamos ter a
sabedoria de perceber, respeitar e
aprender com a vivência do ilustre
passageiro que viaja ao nosso lado.
Galinha cabidela à Moçambique. Ingredientes: 1 galinha, 1
colher de sopa de vinagre, 2 colheres de sopa de
vinho branco, 2 cebolas médias, 2 dentes de
alho, 60 g de banha, 50 g de margarina, 1 ramo
de salsa, 1 folha de louro, sal e pimenta. Preparo:
Mata-se a galinha e aproveita-se o sangue, que
se apara para uma tigela onde já estão o vinho e
o vinagre. Mexe-se para não coagular. Corta-se a
galinha aos bocados, depois de previamente
amanhecida e tempera-se com sal e pimenta.
Deitam-se as gorduras num tacho com as cebolas cortadas em rodelas, os dentes de alho picado, o louro, a salsa picada e a galinha. Deixa-se
corar de todos os lados, acrescentam-se golinhos de água e deixa-se cozer. Na altura de servir, adiciona-se o sangue, mexendo bem. Serve-se com arroz cozido em leite de coco.
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