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"Teatro?" seria perfeito como disco solo do artista
da Reportagem Local
É um caso raro de simbiose. A indústria e os colegas de João Ricardo o tratam como se fosse um leproso. Mas, em contrapartida, ele
também trata a indústria e seus colegas como se fossem leprosos.
Pode parecer macabro dizer, mas
é uma relação bacana. Mostra que
arte e indústria não são equivalentes e que, às vezes, um não sabe encarar o outro. Produz faísca.
"Teatro?", produzido toscamente, faz faísca. Não é destinado à indústria, e de dentro dela nunca será compreendido. É mais um fiozinho de uma história muito louca.
Juntos, Secos & Molhados foram
uma bomba atômica. A estréia,
com obras-primas de afronta sexual ("Assim, Assado", "Sangue
Latino", "O Vira", "El Rey", a monumental "Primavera nos Dentes"), foi o primeiro LP brasileiro
de saída do armário. O segundo
"S&M" tentava mascarar o tom de
acinte sexual e significou a hecatombe -do grupo e de algumas de
suas identidades individuais.
Ney Matogrosso seguiu carreira
dirigida a esmo; Gerson Conrad
ainda gravou com Zezé Motta, mas
desapareceu; os periféricos Marcelo Frias e Willi Verdaguer, ex-integrantes dos Beat Boys (banda argentina que acompanhara Caetano em "Alegria, Alegria"), sumiram do mapa; João virou leproso.
Este tornou-se um obcecado pela
idéia S&M. Como tal, criou três
discos solo encharcados de mágoa,
vociferantes contra o ex-amigo.
"João Ricardo" (75), o da surreal
capa bicha cor-de-rosa, talvez até
pelo tanto de mágoa exposta, é
uma obra-prima da música pop
brasileira. Traz letras inspiradas,
"Vira Safado", timing, rock'n'roll.
Foi, como seus sucessores, regurgitado pela indústria. Hoje, influenciam o imaginário de artistas
como Zeca Baleiro -dos poucos,
na indústria, a citar João.
O insucesso levou às tentativas
anedóticas de ressurreição. João
nivelou seu conjunto a outro de
trajetória similar, embora de importância muito menor, o RPM.
Fez-se um Paulo Ricardo glitter,
embatucado na autoparódia.
Solitário, tenta outra volta. À
aparência (mas só à aparência),
mais liberto das obsessões anteriores, "Teatro?" é um CD solo de
João, não um dos S&M. Poderia
ser de seus bons trabalhos solo.
A verve é de roqueiro -prejudicado pela paupérrima produção,
que seca o disco em onipresença
de guitarras. As referências -Sonic Youth, Jesus and Mary
Chain- são abertas ao tempo,
menos datadas que às que seus colegas de indústria se prendem.
Da pobreza, saltam grandes instantes -"Teatro?", "Puta" e a
muito paródica "Rosinha, a Vermelha", "Dura Aquilo Que Passar
pelo Tempo Que Durar". São arte
crua, ácida, anti-industrial.
Sincero desastrado, entra o CD
se expondo, em "Tom de Dó": "É
verdade, eu inventei agora/ a verdade pra quem está por fora".
Continua tentando criar uma tal
"verdade" individual, extrapolável
-e inaudível, que nunca emplaca.
É a conturbada contribuição de
João Ricardo.
(PAS)
Avaliação:
Disco: Teatro?
Com: Secos & Molhados
Quanto: R$ 18, em média; vendas pela
Internet (secosemolhados@yahoo.com) ou
pelo tel. (011) 9101-6660
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