São Paulo, Sexta-feira, 04 de Junho de 1999
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"Homem-banda" tenta reeditar Secos & Molhados

Paulo Giandália/Folha Imagem
O músico João Ricardo, 49, que está lançando novo CD dos Secos e Molhados


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Uma pseudovolta se arma nos subterrâneos. O novo disco da mítica banda de rock-MPB dos anos 70 Secos & Molhados, "Teatro?", não é o novo da banda. Depois de repetidas tentativas de volta -sempre sem o "frontman" Ney Matogrosso e o compositor, violonista e vocalista Gerson Conrad- os S&M são hoje um homem só.
Trata-se do português (radicado em SP desde os 13) João Ricardo, 49, compositor, violonista, gaitista e "dono" do conjunto original.
Cansado de tentar reformar (em 78, 80 e 88, com cantores de voz aguda) a banda que escandalizou o Brasil em 73, com maquiagens carregadas, penas, batom, postura e letras andróginas que adaptavam a estética glitter inglesa ao trópico e sucessos como "O Vira" e "Sangue Latino", parece disposto a assumir o underground e a solidão.
"Teatro?" é ultra-independente, com 3.000 exemplares de tiragem. Embora seja dos S&M, se aproxima mais dos LPs solo de João, rigorosos fracassos comerciais.
Os Secos & Molhados estouraram com mise-en-scène exuberante e um LP por uma gravadora de médio porte (Continental) que vendeu, segundo jornais da época, 800 mil exemplares.
O sucesso maciço desestruturou tudo. No dia do lançamento do segundo "Secos & Molhados" (74), Ney e Gerson anunciaram sua saída do conjunto, sob acusações de que João tomara conta da banda, querendo mandar em dinheiro, repertório e o resto.
Os falatórios davam os glitters Edy Star (ex-parceiro de Raul Seixas) e Cornélius (do Made in Brazil) como possíveis substitutos de Ney. Não aconteceu, e João seguiu, errático. Mergulhou no investimento solo da Philips, depois na volta dos S&M sob produção de Marcos Maynard (introdutor da axé music na indústria e hoje presidente da Abril Music, que disse recentemente à Folha que não deu certo "porque era ruim").
Declarando-se feliz com a própria trajetória, João, hoje em geral avesso à mídia, falou com a Folha sobre a história toda. Leia trechos.

BEATLES - "A primeira vez que os vi, perguntei quem eram aquelas moças. Por ironia, alguns anos depois todo mundo ia perguntar isso sobre nós."

ESTÉTICA GLITTER - "Foi uma necessidade. Não é mais assim, mas antes quanto mais diferente você fosse mais interessante seria. Não tocávamos nada, não sabíamos o som progressivo que era moda. Precisávamos achar outra solução, que foi cênica, teatral."

MANIFESTO SEXUAL - "O primeiro disco foi, sim, um manifesto sexual, embora nem eu nem Gerson fôssemos homossexuais. A reação foi muito agressiva. Ao mesmo tempo, fomos o primeiro grupo a lotar o Maracanãzinho, viajamos para o exterior, vendemos 300 mil discos."

REVOLUÇÃO - "Ney tem como ídolo o Caetano Veloso. Acha que ele é a revolução, não percebe que Caetano precisava nascer dez vezes para ser tão revolucionário como ele. Tudo que Caetano fez foi imitar o Bob Dylan."

MÁGOA DE NEY - "Nem tomo conhecimento da carreira dele sozinho. Acho ruim. Faz parte do mercado, não me interessa. Se não tiver política, vira bunda falante. Ele virou uma bunda falante. Suas qualidades eram a voz, o corpo, mas não a cabeça. Mágoa, acho que vou ter sempre. Disse que nunca foi meu amigo. Sei que acha que acho que ele é imbecil. Acho que acho isso mesmo. Mas nossa vida estará sempre interligada."

LP COR-DE-ROSA - "Nenhum veado teria coragem de fazer essa capa. Foi muito mal recebida, não vendeu nada por isso. Mas eu gosto muito. As letras xingam Ney e Gerson o tempo todo, são para eles. Eu estava arrasado, desequilibrado. O show foi um fracasso, eu não podia ter subido no palco."

MARCOS MAYNARD - "Ele tem um mau gosto horrível, não entende nada de estúdio. Produz focas amestradas, é tão brega quanto qualquer coisa que lança."

NOVA RESSURREIÇÃO - "É burrice pensar que estou sempre querendo ressuscitar os S&M. Enquanto eu for totalmente diferente da maioria, vou ser assim. Enquanto eu for julgado pelas aparências, serei sempre um chato de galocha tentando reeditar os S&M. Não sou nem um pouco chato."

"TEATRO?" - "Tinha que ser um disco dos S&M, justamente porque esteticamente é a antítese de tudo que está aí. Os caras da axé e os "xororós" vão odiar. Não quero disco fácil. Penso depois em regravar inteiro o primeiro dos S&M, mas como João Ricardo."

SONIC E JESUS - "A capa é inspirada nas do Sonic Youth. Ouvindo Sonic e Jesus & Mary Chain, pensei: "Imagina só fazer um disco só com guitarras...". Por que não, se é disso mesmo que eu gosto?"

FELIZ - "Afirmo que nunca mais volto para a indústria. Sou um artista e sou muito feliz, extremamente feliz. Sucesso é igual a infelicidade. Meu maior sucesso acabou sendo o maior pesadelo da minha vida. Que importa Caetano vender 1 milhão de discos com música do Peninha? Não tem importância nenhuma. Como público, tenho o direito de dizer: "Eu gosto desse cara, ele tem obrigações comigo". Isso tudo é só narcisismo."


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