São Paulo, Sexta-feira, 04 de Junho de 1999
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MÚSICA ERUDITA
Lipatti resgata as figuras do mito e do herói


WILLIAM LI
especial para a Folha

O nome de Dinu Lipatti evoca uma era distante na arte de interpretação pianística e a figura de um mito e um herói. Nascido na Romênia em 1917, Lipatti iniciou sua carreira aos 4 anos como menino prodígio.
De saúde muito frágil, frequentou o Conservatório de Bucareste com uma dispensa especial, ao mesmo tempo que recebia em casa a instrução regular. Em 1933, obteve o segundo lugar no Concurso Internacional de Viena, o que provocou a ira de Alfred Cortot, presidente da banca, que não concordava com essa colocação.
Retirando-se do júri, Cortot convidou Lipatti a estudar com ele na "École Normale de Musique" de Paris, onde este pôde travar contato também com Charles Munch, Paul Dukas, Nadia Boulanger e François Poulenc, tornando-se assim um dos maiores expoentes da escola francesa.
Sua carreira de concertista foi interrompida pela guerra e por sua saúde precária, mas desde cedo Lipatti procurou deixar registradas em gravações suas inovadoras concepções com relação aos maiores compositores pianísticos.
A Philips e a EMI lançam agora num álbum duplo uma compilação das principais gravações de Dinu Lipatti, na qual podem ser reavaliadas sua fama e seu pioneirismo. As remasterizações contidas nesses CDs cobrem o período que vai de 1937 até 1950, ano de sua morte, e abrangem o essencial do repertório pianístico, desde Bach até Ravel.
Lipatti ganhou notoriedade principalmente por suas interpretações dos românticos, especialmente Chopin e Schumann. Como um expoente da Escola de Paris, Lipatti esteve sempre atento aos recursos expressivos e sonoros que cada partitura lhe propunha e procurou recriá-las segundo sua formação "impressionista".
Vale conferir sua interpretação do "Concerto em lá menor op. 54", de Schumann, considerada insuperável por muitos, assim como a da "Sonata em si menor op. 58", onde Lipatti nos revela um Chopin enérgico, criativo, que foge do óbvio e cheio de efeitos sonoros.
A interpretação da "Partita em si bemol BWV 825", de Bach, coloca Lipatti como um precursor de Glenn Gould: extremamente contrapontística, ela surpreende-nos ainda hoje pelo uso criterioso do "legato" e do "staccato" e pelo jogo entre as vozes.
Mas é em Mozart que Lipatti afasta-se mais dos padrões atuais, ao conceber a sonata para piano de maneira orquestral. Ao contrário das interpretações "históricas" de hoje, Lipatti transfigura a sonata e redescobre nela a personalidade mais profunda de Mozart. Sua execução é apaixonada e cheia de matizes, rica em variações timbrísticas e dinâmicas.
Constam também do álbum gravações de Ravel, Grieg, Schubert e Brahms. Em todas elas, encontramos o mesmo cuidado na exata abordagem das intenções do compositor, sem abrir mão de explorar todos os recursos que o moderno piano de concerto lhe oferece.
As lições que Lipatti deixou para a sua geração e as posteriores foram muitas e duradouras. A principal delas é a preocupação por estabelecer uma verdade musical que esteja além dos modismos e limites de uma época, o que faz a glória de Dinu Lipatti até hoje.


Avaliação:


Disco: Dinu Lipatti, na série Great Pianists of the 20th Century (2 CDs)
Lançamento: Philips/EMI
Quanto: R$ 40 (em média)



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