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GASTRONOMIA
Francês, bonito... e bom professor
NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA
Toda vez que falo bem do
Anquier, alguém me passa
um e-mail dizendo que ele não é
cozinheiro, que é francês, como é
que posso gostar dele na TV? Que
falo bem dele porque é bonito.
Ai, ai, ai, ai! Primeiro, acho que
um professor de comida na televisão não tem que ser chef de toque,
com curso e diploma. Todo mundo sabe que não são os melhores
especialistas que dão as melhores
aulas. São os melhores atores, ou
os melhores comunicadores.
E um francês pode falar do Brasil? Onde estaria o impedimento?
Só no sotaque, porque, se foi ele
que se dispôs a correr o Brasil
mostrando o que temos de comida, num projeto sem ambições
eruditas, simplesmente mostrando e comentando... se foi ele que
teve a idéia e botou para quebrar,
qual o problema?
Vai comer içá em Taubaté, pescar em rios nunca dantes navegados, cutucar casa de abelha com
pau curto, coisas assim, propostas
em imagens que valem por um bifinho, e sem um daqueles especialistas de plantão que falam difícil
sobre as noções míticas do cru e
do cozido na observação parcial
da maniot utilíssima.
É um programa de TV que vai
onde outros não vão, entretém, dá
receitas, tem público fiel e um
professor extremamente simpático... e, por que não, bonito? Que é
que há? Contra francês e contra
bonito? Sem essa.
Acabei de fazer uma pequena
viagem com o Anquier, compartilhamos um mesmo projeto do
MEC com as merendeiras do Brasil, e era de se ver a aula de pão que
ele deu. Não era uma aula, era a
síntese de todo o programa, simbolizando o que se pode fazer
quando se tem nas mãos um mínimo de ingredientes e técnica. O
saber-fazer e a transmissão desse
conhecimento. Diziam as merendeiras por dá lá aquela palha: "Para cozinhar é preciso muito
amor!!!!!!!!". A toda hora saía essa
história de amorr, falado com o
"erre" comprido do interior. Pois,
vá lá, precisa amor, sim, mas o
que ele as fez trabalhar e suar e entender e aprender o pão! Saíram
de lá padeiras.
Era uma aula de cozinha (muito
socrática, até, pois cheia de perguntas), com os ingredientes animizados, e belisca o pão, o sal mata o fermento, acorda o fermento,
coitado do pão, assim não dá, machuca o pão, é assim, e lá vinha o
jeito de fazer melhor. Ótimas aulas, ponto alto das oficinas.
A assessoria de imprensa dele
me mandou hoje, a meu pedido, o
primeiro de uma série de novos
programas. Pois não é que o menino arranjou um Fusquinha 62 e
se mandou para o Vale do Paraíba
para ver como se fazia rapadura à
moda antiga? Acredite se quiser,
uma moenda de cana, puxada por
um burrico, o caldo caindo num
tacho, o tacho em cima da lenha, e
aquilo se condensando em açúcares marrons, em escuros, horas e
horas, uma contagem de tempo
diferente, um pedaço de passado
ali, encostado na estrada veloz onde o Fusca enguiçou.
E o que aprecio nos programas,
também, é xeretar as cozinhas
alheias, pois nada é maquiado.
Tem cartaz na parede de menina
loira de cachos carregando buquê
de flores, ou o Sagrado Coração
de Jesus, as panelas são velhinhas,
a dona da receita se esquece do ingrediente principal, o marido
aparece na cozinha depois de
uma soneca, barrigudo, e estranha a festa. "Isso é para você, Olivier, eu só como arroz, feijão e bife, todo dia." E as pessoas adoram
mostrar o que fazem, o que sabem
fazer, porque o Anquier é simpático e educado com elas, interfere
sem interferir, risonho, curioso,
ele querendo aprender, com
olhos tão virgens quanto os nossos, pois existe olho mais virgem
para as cozinhas brasileiras do
que os nossos, citadinos?
Bem, a nova série de programas
começou no dia 23 de junho, e outra boa notícia é que está saindo
uma caixa com três vídeos com os
principais programas. "Brasil",
"Verão" e "Inverno". O passeio, o
trem e o barreado, delicioso prato
paranaense, facílimo, que era feito
no Carnaval, em fogo muito baixo, ficava lá, de castigo, enquanto
os foliões se esbaldavam. E, quando chegavam de volta, cansados e
famintos, lá estava a carne pronta,
no fogão. Comiam tanto que sabemos de muitas mortes por indigestão, com os cortejos fúnebres
cruzando com os últimos e atrasados foliões.
E temos Ilhabela, com seu mar
tão lindo e o peixe azul-marinho,
quem sabe qual o motivo do pirão
de banana ficar azul da cor do
mar? E de brinde, e que brinde,
adivinhem, o pão das merendeiras, tintim por tintim, bela lição
para nós, muitíssimo bem explicada. Com essa receita, garanto,
vamos todos nos transformar em
padeiros. Só não posso garantir
que tão bonitos...
OLIVIER ANQUIER - programas inéditos
aos domingos, às 20h30, no GNT. Caixa
de três fitas VHS à venda no Pão de
Açúcar, www.somlivre.com.br e
www.gnt.com.br
ninahort@uol.com.br
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