São Paulo, quinta-feira, 04 de julho de 2002

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GASTRONOMIA

Francês, bonito... e bom professor

NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA

Toda vez que falo bem do Anquier, alguém me passa um e-mail dizendo que ele não é cozinheiro, que é francês, como é que posso gostar dele na TV? Que falo bem dele porque é bonito.
Ai, ai, ai, ai! Primeiro, acho que um professor de comida na televisão não tem que ser chef de toque, com curso e diploma. Todo mundo sabe que não são os melhores especialistas que dão as melhores aulas. São os melhores atores, ou os melhores comunicadores.
E um francês pode falar do Brasil? Onde estaria o impedimento? Só no sotaque, porque, se foi ele que se dispôs a correr o Brasil mostrando o que temos de comida, num projeto sem ambições eruditas, simplesmente mostrando e comentando... se foi ele que teve a idéia e botou para quebrar, qual o problema?
Vai comer içá em Taubaté, pescar em rios nunca dantes navegados, cutucar casa de abelha com pau curto, coisas assim, propostas em imagens que valem por um bifinho, e sem um daqueles especialistas de plantão que falam difícil sobre as noções míticas do cru e do cozido na observação parcial da maniot utilíssima.
É um programa de TV que vai onde outros não vão, entretém, dá receitas, tem público fiel e um professor extremamente simpático... e, por que não, bonito? Que é que há? Contra francês e contra bonito? Sem essa.
Acabei de fazer uma pequena viagem com o Anquier, compartilhamos um mesmo projeto do MEC com as merendeiras do Brasil, e era de se ver a aula de pão que ele deu. Não era uma aula, era a síntese de todo o programa, simbolizando o que se pode fazer quando se tem nas mãos um mínimo de ingredientes e técnica. O saber-fazer e a transmissão desse conhecimento. Diziam as merendeiras por dá lá aquela palha: "Para cozinhar é preciso muito amor!!!!!!!!". A toda hora saía essa história de amorr, falado com o "erre" comprido do interior. Pois, vá lá, precisa amor, sim, mas o que ele as fez trabalhar e suar e entender e aprender o pão! Saíram de lá padeiras.
Era uma aula de cozinha (muito socrática, até, pois cheia de perguntas), com os ingredientes animizados, e belisca o pão, o sal mata o fermento, acorda o fermento, coitado do pão, assim não dá, machuca o pão, é assim, e lá vinha o jeito de fazer melhor. Ótimas aulas, ponto alto das oficinas.
A assessoria de imprensa dele me mandou hoje, a meu pedido, o primeiro de uma série de novos programas. Pois não é que o menino arranjou um Fusquinha 62 e se mandou para o Vale do Paraíba para ver como se fazia rapadura à moda antiga? Acredite se quiser, uma moenda de cana, puxada por um burrico, o caldo caindo num tacho, o tacho em cima da lenha, e aquilo se condensando em açúcares marrons, em escuros, horas e horas, uma contagem de tempo diferente, um pedaço de passado ali, encostado na estrada veloz onde o Fusca enguiçou.
E o que aprecio nos programas, também, é xeretar as cozinhas alheias, pois nada é maquiado. Tem cartaz na parede de menina loira de cachos carregando buquê de flores, ou o Sagrado Coração de Jesus, as panelas são velhinhas, a dona da receita se esquece do ingrediente principal, o marido aparece na cozinha depois de uma soneca, barrigudo, e estranha a festa. "Isso é para você, Olivier, eu só como arroz, feijão e bife, todo dia." E as pessoas adoram mostrar o que fazem, o que sabem fazer, porque o Anquier é simpático e educado com elas, interfere sem interferir, risonho, curioso, ele querendo aprender, com olhos tão virgens quanto os nossos, pois existe olho mais virgem para as cozinhas brasileiras do que os nossos, citadinos?
Bem, a nova série de programas começou no dia 23 de junho, e outra boa notícia é que está saindo uma caixa com três vídeos com os principais programas. "Brasil", "Verão" e "Inverno". O passeio, o trem e o barreado, delicioso prato paranaense, facílimo, que era feito no Carnaval, em fogo muito baixo, ficava lá, de castigo, enquanto os foliões se esbaldavam. E, quando chegavam de volta, cansados e famintos, lá estava a carne pronta, no fogão. Comiam tanto que sabemos de muitas mortes por indigestão, com os cortejos fúnebres cruzando com os últimos e atrasados foliões.
E temos Ilhabela, com seu mar tão lindo e o peixe azul-marinho, quem sabe qual o motivo do pirão de banana ficar azul da cor do mar? E de brinde, e que brinde, adivinhem, o pão das merendeiras, tintim por tintim, bela lição para nós, muitíssimo bem explicada. Com essa receita, garanto, vamos todos nos transformar em padeiros. Só não posso garantir que tão bonitos...


OLIVIER ANQUIER - programas inéditos aos domingos, às 20h30, no GNT. Caixa de três fitas VHS à venda no Pão de Açúcar, www.somlivre.com.br e www.gnt.com.br

ninahort@uol.com.br



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