São Paulo, domingo, 04 de julho de 2004

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Bicheiro paquera em bate-papo televisivo

DA REPORTAGEM LOCAL

Meia-noite e meia, e Rui*, 23, está cansado depois de um longo dia de trabalho. Gerente do jogo do bicho, ele comanda 50 pontos-de-venda na região central de São Paulo. Sozinho em casa, brigado com a namorada ("quase solteiro"), ele não resiste e novamente telefona para o bate-papo que a televisão anuncia.
Liga de seu celular pré-pago e não se preocupa com o custo da brincadeira, já que gasta em média R$ 900 por mês com suas ligações. "Estava sem nada para fazer, não tinha nada melhor na TV para assistir e era tarde para ligar para os amigos", explica ele, ao cruzar com a reportagem da Folha em uma das salas do chat.
Morador de São Miguel Paulista (zona leste de São Paulo), Rui parou de estudar no segundo ano do ensino médio e começou no jogo do bicho aos 18. Ganha "bem", o suficiente para ir aos shoppings nos finais de semana e pagar o celular. Seu prazer, conta, é conhecer novas pessoas, e por isso começa a se tornar adepto dos chats televisivos (para os da internet, diz não ter tempo). E não nega a intenção de paquera. Se "rolar" algo interessante, pode marcar um encontro pessoalmente.

Baixaria
"Tchau, Rui." E a reportagem da Folha disca o três e muda de sala (é assim o chat do "Swing com Syang"). Alguém, voz masculina, grita "eu sou o língua de ouro" e inicia um festival de baixaria e palavrões. "Quero arrancar sua roupa todinha" e por aí vai.
"Que cara mala, que contêiner", reclama uma garota. "Que nível! Tem muito otário nessa sala. Vou mudar." Muda. A Folha também.
O clima não melhora muito. "Flávio, o pastor" quer converter os companheiros ao pecado. Tentemos discar o três de novo.
"Alô." "Oi, quem fala?" "É a Laura." "Oi, meu nome é Carlos, tudo bem?" "É a primeira vez que entra no chat, Carlos?", pergunta a Folha, já para explicar que o papo era uma entrevista. "É a primeira, sim." Mas entra outro alô feminino. "É a Luana." Carlos se desvia. "Oi, gatinha, que bom que te achei de novo! Não ia conseguir dormir sem falar com você."
E a Folha: "Mas, Carlos, não disse que era a primeira vez no chat? Como já conhece a Luana?". Em tom de desprezo: "Se liga, mina, é que estou aqui há muito tempo".
Paquera de Carlos havia dez minutos, Luana já vem ciumenta: "Ué, Carlos, já está me traindo, é?". "Não. É tão difícil achar uma gata de ouro como você nas salas... Acha que eu ia te trair? Passa o seu celular que eu te ligo direto." Luana passa, e os dois saem da sala virtual para algo mais real.
A Folha anotou o número de Luana e, para não atrapalhar, ligou no dia seguinte. Ela tem 17 anos, é estudante do segundo ano do ensino fundamental numa escola particular e mora também em São Miguel.
Disse que o papo com Carlos não havia ido muito adiante. Nem houve encontro marcado, como já aconteceu com outro garoto.
Luana mora com o pai aposentado e a mãe dona-de-casa e assiste ao programa de Syang na televisão do seu quarto. Já entrou no chat telefônico quatro vezes, mas nunca saiu com ninguém que conheceu por lá. Tem namorado há um ano e meio. "Ele não tem ciúme, acha que conversar por telefone não tem nada a ver."
Já passou quatro horas pulando de sala em sala, paquerando, conhecendo pessoas. E não foi à falência com tanta ligação? "Não, porque meu celular pré-pago tem uma promoção por um ano, com chamadas grátis a partir das 21h." Ah, bom. (LM)


(*) Os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados.



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