São Paulo, domingo, 04 de julho de 2004

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CRÍTICA

Caretinha, "Friends" encerra os anos 90

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Com o capítulo final de "Friends", na semana que vem, a década de 90 fica definitivamente enterrada, não sem um grave atraso. Desde que começaram os anos 2000, a série soava cada vez mais anacrônica e nostálgica. Isso não significa que roteiro e direção tenham piorado vertiginosamente de qualidade, como tem acontecido em "E.R.", para falar de outra série longeva. Não, "Friends" continuou tão encantador, engraçado e caretinha quanto sempre foi.
Mas o negócio é que a série falava de um modo de vida que já não existe mais. "Friends", de certa forma, era um dos programas mais ideologizados que já saíram da TV norte-americana. Simpáticos, os jovens de 20 e poucos anos (no início da série) retratados ali estavam fazendo mais ou menos a mesma coisa que os temíveis soldados americanos em território iraquiano, embora com métodos, estratégias e ferramentas diferentes.
Tratava-se de exibir o triunfo inequívoco de uma vida balizada pelo dissolução de valores do capitalismo avançado, de um universo do consumo de mercadorias reais e simbólicas, de relações pessoais marcadas pelo individualismo extremado, tudo com o charme de personagens aparentemente desajustados.
Aí estava o maior acerto da série, fazer personagens parecendo ambíguos, mas que no fundo só eram disfarçados: "losers" na medida certa para soarem próximos e humanos para uma audiência global, mas ao mesmo tempo bem-sucedidos o suficiente para serem tomados com modelos.
Havia ali uma idéia de conquistar os corações e as mentes com humor e diversão -e, por um certo período, de fato conseguiram. Para além -ou talvez, aquém- da forte intenção ideológica, "Friends" era um achado em termos de timing, agilidade nos diálogos, criatividade na criação das tramas que alimentaram os dez anos de episódios.
Na era Bush, marcada pela truculência, esse jeito mais suave de globalizar a cultura tem um sabor démodé, quase nostálgico.
Não está muito claro ainda qual será o sucessor de "Friends" nesse sentido. O que parecem sugerir os números da audiência norte-americana é que, nos anos 2000, sai o humor e entra a violência. Quem ocupa agora os primeiros postos entre os mais vistos nos EUA são as séries policiais "C.S.I", "Without a Trace", "Law and Order", em que os heróis vestem uniforme, têm distintivos e prendem assassinos.

 

Quem ligou a TV um pouco mais cedo para assistir ao penúltimo episódio de "Friends", na madrugada da última quarta, pode ter tido a sorte de ver a excelente sátira de "Friends" do "Saturday Night Live". Na animação, os seis conversam no Central Perk sobre o nada, enquanto lá fora chegam os cavaleiros do Apocalipse, volta o anticristo, a humanidade se transforma em zumbis etc. Nada mais apropriado.

@: biabramo.tv@uol.com.br



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