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CRÍTICA
Caretinha, "Friends" encerra os anos 90
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Com o capítulo final de
"Friends", na semana que
vem, a década de 90 fica definitivamente enterrada, não sem um
grave atraso. Desde que começaram os anos 2000, a série soava
cada vez mais anacrônica e nostálgica. Isso não significa que roteiro e direção tenham piorado
vertiginosamente de qualidade,
como tem acontecido em "E.R.",
para falar de outra série longeva.
Não, "Friends" continuou tão
encantador, engraçado e caretinha quanto sempre foi.
Mas o negócio é que a série falava de um modo de vida que já
não existe mais. "Friends", de
certa forma, era um dos programas mais ideologizados que já
saíram da TV norte-americana.
Simpáticos, os jovens de 20 e
poucos anos (no início da série)
retratados ali estavam fazendo
mais ou menos a mesma coisa
que os temíveis soldados americanos em território iraquiano,
embora com métodos, estratégias e ferramentas diferentes.
Tratava-se de exibir o triunfo
inequívoco de uma vida balizada
pelo dissolução de valores do capitalismo avançado, de um universo do consumo de mercadorias reais e simbólicas, de relações pessoais marcadas pelo individualismo extremado, tudo
com o charme de personagens
aparentemente desajustados.
Aí estava o maior acerto da série, fazer personagens parecendo
ambíguos, mas que no fundo só
eram disfarçados: "losers" na
medida certa para soarem próximos e humanos para uma audiência global, mas ao mesmo
tempo bem-sucedidos o suficiente para serem tomados com
modelos.
Havia ali uma idéia de conquistar os corações e as mentes com
humor e diversão -e, por um
certo período, de fato conseguiram. Para além -ou talvez,
aquém- da forte intenção ideológica, "Friends" era um achado
em termos de timing, agilidade
nos diálogos, criatividade na
criação das tramas que alimentaram os dez anos de episódios.
Na era Bush, marcada pela truculência, esse jeito mais suave de
globalizar a cultura tem um sabor démodé, quase nostálgico.
Não está muito claro ainda
qual será o sucessor de "Friends"
nesse sentido. O que parecem sugerir os números da audiência
norte-americana é que, nos anos
2000, sai o humor e entra a violência. Quem ocupa agora os primeiros postos entre os mais vistos nos EUA são as séries policiais "C.S.I", "Without a Trace",
"Law and Order", em que os heróis vestem uniforme, têm distintivos e prendem assassinos.
Quem ligou a TV um pouco mais
cedo para assistir ao penúltimo
episódio de "Friends", na madrugada da última quarta, pode
ter tido a sorte de ver a excelente
sátira de "Friends" do "Saturday
Night Live". Na animação, os seis
conversam no Central Perk sobre o nada, enquanto lá fora chegam os cavaleiros do Apocalipse,
volta o anticristo, a humanidade
se transforma em zumbis etc.
Nada mais apropriado.
@: biabramo.tv@uol.com.br
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