São Paulo, domingo, 04 de julho de 2004

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Exibidor mira público de baixa renda e abre cinemas na periferia de São Paulo e em municípios que não têm salas

Comendo pelas bordas

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Ele não faz planos de ombrear a Cinemark (a cadeia norte-americana de cinemas que domina o mercado exibidor brasileiro), mas aderiu ao projeto de multiplicar o número de salas no país, ocupando o espaço que sobra -o do público de baixa renda.
A matemática do microempresário Antônio Passos, 48, é de conta-gotas (tanto no ritmo dos investimentos como no preço dos ingressos). Em outubro, ele inaugurará no município de Embu das Artes dois cinemas, que totalizam 347 lugares.
Com essas, passará a ter cinco salas, nos mesmos moldes das três que já possui na zona leste paulistana -o Diretão, em São Miguel Paulista, que administra desde 1995, e os dois cines Itaquera, inaugurados há três anos, no bairro de mesmo nome.
Nesses cinemas, as inteiras custam R$ 6, menor valor da cidade, onde o preço máximo é R$ 16 (nas sessões noturnas dos fins de semana no Kinoplex Itaim). Às quartas e quintas, uma promoção do Itaquera estipula em R$ 3 o preço único das salas.

Embu das Artes
A atuação de Passos seria modesta -modestíssima, diante das atuais 272 salas da líder Cinemark e de seu plano de chegar a 300 até o final deste ano- não fosse um detalhe: os 219 mil habitantes de Embu das Artes não contam hoje com nenhum cinema na cidade, distante 27 km do centro de SP. Os de Passos porão fim ao jejum.
Em Itapecerica da Serra (a 34 km da capital), onde o exibidor prevê inaugurar quatro salas em 2005, a situação é a mesma. Não há no município, de 130 mil habitantes, nenhuma sala com programação regular de filmes.
De acordo com a última pesquisa de informações básicas municipais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), datada de 2001, apenas 8% dos municípios brasileiros possuem cinemas. Hoje, gira em torno de 1.800 o total de salas no país, que já foi de 3.276 em 1975, muito antes da decadência das enormes salas de rua e do florescimento do formato multiplex.
Passos diz que, na equação dos cinemas de periferia, a grande dificuldade é equilibrar a receita pequena, determinada pelos (necessariamente) baixos valores dos ingressos, com o alto custo do investimento inicial, em que pesam os valores em dólar dos equipamentos de projeção importados. "Só uma lâmpada de projetor custa US$ 800 [R$ 2.486]", diz.
A solução é "não tentar se igualar ao padrão dos multiplex, mas buscar chegar perto". Na prática, isso se traduz num jogo de perde-e-ganha, como se vê nos cines Itaquera, localizados no shopping homônimo, que dispõe suas 54 lojas em dois pisos, ligados por uma rampa e uma escada fixa.
As salas têm tela grande, mas com som dolby, o lanterninha da sonorização. As poltronas são confortáveis e possuem porta-copos, mas o piso tem inclinação zero. A pipoca sai por "R$ 1, a pequena, e R$ 2, a grande". Refrigerante: R$ 1. O espectador não vê comerciais, trailers com informações de segurança nem banheiros por perto. Se quiser ir ao toalete durante a sessão, recebe uma ficha para poder voltar à sala, após caminhar até o lado oposto, onde ficam os banheiros do shopping.
Os freqüentadores aprovam o cinema, caprichado em sua simplicidade. "Aqui a gente não paga o luxo. Mas o cinema é bom", diz o corretor Artur Nascimento, 32, que levou a mulher e o filho para assistir a "Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban".
"Quando o shopping abriu, não havia muita fila no cinema, e eu achava que o povo não ia porque era ruim. Um dia, entrei e vi que era bom", conta o pintor de automóveis Ednaldo Gonçalves dos Santos, 33. Ao lado da namorada, Santos aguardava sua sessão de domingo tomando uma cerveja no Point do Pastel, uma das três atrações da praça de alimentação que estavam em funcionamento.
Nesse dia, a praça era animada pelo som ao vivo do músico Rogério Nogueira. A reportagem observou que, enquanto o bruxo Harry Potter se aventurava na tela, a voz do cantor ecoava (baixinho) dentro da sala.
"Vazar, sempre vaza um pouquinho", diz Cléber Maurício, gerente dos cinemas de Passos. "Mas o cliente nunca reclamou. E o cliente é nosso referencial."
Passos também não tem queixas de seu público. "Diziam-me que eu era louco de abrir esses cinemas, que iriam destruir tudo. Faz três anos que eles funcionam, e não há um forro de cadeira rasgado, um chiclete grudado."
A programação do Itaquera é voltada sobretudo para os grandes lançamentos norte-americanos, em cópias dubladas. Entre os nacionais, "Maria - A Mãe do Filho de Deus", estrelado pelo padre Marcelo, e "Carandiru", de Hector Babenco, emplacaram mais de seis semanas de exibição, invadindo um território antes exclusivo de Xuxa e Os Trapalhões.
Por seu perfil de programação, o Itaquera tem no espectador infanto-juvenil uma parcela importante de sua bilheteria. Há inclusive sessões exclusivas para essa faixa de público, como a organizada na terça passada pelo Centro Comunitário Girassol, que levou as crianças atendidas pela ONG para ver o ogro do bem "Shrek 2".
Para obter cópias desses lançamentos, Passos diz ter como trunfo o bom relacionamento cultivado com os distribuidores, durante o tempo em que trabalhou na empresa exibidora Cinematográfica Sul (atual Playarte). "Entrei como auxiliar, aos 18 anos, e saí como controler financeiro, em 1991."
Conta também a favor do exibidor de pequeno porte o fato de que, "no caso dos megalançamentos, há cópias para todos em São Paulo". Na previsão da Columbia, a estréia de "Homem-Aranha 2" no Brasil, na sexta passada, ocuparia quase 700 cinemas. "Mas, se é um lançamento menor e não consigo cópia, não me importo de entrar com o filme na terceira semana, quando começa a diminuir nos grandes circuitos, mas ainda está na mídia."


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