|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Bienal rompe fronteiras geopolíticas
Lisette Lagnado diz que a seção mais tradicional do evento,
a das representações nacionais, deixará de existir em 2006
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
A seção mais tradicional da Bienal de São Paulo, a das representações nacionais, deixará de existir a partir de sua 27ª edição, a cargo da curadora Lisette Lagnado e
programada para ser aberta em
outubro de 2006. Nesta semana,
todos os países que tomam parte
do evento serão comunicados da
decisão por carta.
Copiada do modelo de Veneza,
a única bienal entre as mais de 50
existentes que segue com a idéia
de "feira das nações", São Paulo
rompe com sua matriz. Outras
tentativas, mais discretas, já foram feitas. Em 1981, o curador
Walter Zanini aboliu a separação
entre países para dispor as obras
segundo "analogias de linguagem", o que na época gerou protestos dos EUA. Nas bienais a cargo de Sheila Leirner, em 1985 e
1987, buscou-se negociar com os
países artistas afinados com os temas, o que ocorreu ainda com
Paulo Herkenhoff, em 1998.
Entretanto, mesmo que todos
buscassem disfarçar as representações, elas sempre estiveram presentes, até porque representam
um aporte substantivo à receita
da Bienal. Segundo Alfons Hug,
curador das últimas duas edições,
cerca de US$ 3 milhões. Com isso,
agora são duas marcas da Bienal,
as representações e os núcleos
históricos, que deixam de existir.
No entanto, Lagnado vai apresentar dois artistas históricos sintonizados com o conceito de "Blocos
sem Fronteiras", tema da Bienal:
o belga Marcel Broodthaers
(1924-1976) e o norte-americano
Gordon Matta-Clark (1943-1978).
A extinção das representações
assume uma das questão contemporâneas mais marcantes, do
"nomadismo cultural". Aliás,
marca da própria Lagnado, 44,
nascida no Congo (África), que
tem como primeira língua o francês e radicada no Brasil desde
1974. Leia a seguir o que a levou a
alterar os rumos da Bienal.
Folha - Por que acabar com as representações nacionais?
Lisette Lagnado - Não tenho nenhum mérito em acabar com as
representações nacionais. Simplesmente estou tentando fazer
algo que foi tentado, de uma maneira menos radical, por meus antecessores, ao conversar com os
curadores de cada país e tentar
convencê-los a mandar projetos
que fizessem sentido com o conceito da Bienal. No meu caso, como esta Bienal passou por um
concurso de projetos e fui escolhida por causa dele, me dei ao luxo
de colocar isso como prioridade.
Ou seja, ao invés de tratar isso como questão diplomática, vou tratar como princípio. Pelo título da
Bienal, "Blocos sem Fronteiras",
seria paradoxal manter hierarquias geopolíticas. Bienais que
têm representações nacionais e
convidados, ou seja, dois tipos de
sistema ao mesmo tempo, se rendem ao olho governamental, que
ora procura fazer pequenas justicinhas locais, ora traz bons artistas, mas o fazem em detrimento
do debate da Bienal. Quando o
país é pobre, de qualquer forma,
era a Bienal quem bancava. O curador precisa trabalhar junto com
os interlocutores internacionais e
não funcionar apenas como guichê. Agora, as verbas são de fato
um problema, mas devemos iniciar um processo de auto-sustentabilidade da Fundação, uma vez
que nós já o somos culturalmente.
Folha - E por que uma Bienal
"sem fronteiras"?
Lagnado - Tornou-se cada vez
mais claro que há, por exemplo,
um curador da França que pode
convidar um albanês, como o
Anri Sala, que mora no país há
anos. Essa questão, que já foi temática da Bienal, do nomadismo
cultural, é finalmente assumida: o
que é ser um sem fronteiras? A
Mona Hatoum [artista libanesa],
por exemplo, reside em Londres,
mas trata de questões políticas da
Palestina. As identidades estão cada vez mais híbridas. Ademais,
"sem fronteiras" tem outro significado, que corresponde à impossibilidade de diferenciação entre
as categorias estéticas.
Folha - O modelo Bienal se tornou
um grande evento, muitas vezes
mais midiático e menos uma reflexão sobre arte. Esse modelo será
questionado na sua Bienal?
Lagnado - Pretendo rever a
questão do espetacular, já que
sem as representações nacionais
não vou ter dinheiro para obras
caras, e vou rever a quantidade de
países, que fazia com que toda
Bienal tivesse um "lixão", sobre o
qual o curador não tinha muito
controle. Então, para mim, é enxugar e ter uma proposição, ser
coerente com o projeto. Por ser
uma iniciativa piloto, vou encontrar mais dificuldades. Mudar
mentalidades leva tempo. Mas era
preciso um dia começar. Estou
me arriscando, tenho consciência
disto e assumo as conseqüências.
Meu maior problema é a falta de
tempo para conseguir sensibilizar
os órgãos públicos, a iniciativa
privada, os institutos e fundações
internacionais de seu papel.
Texto Anterior: Programação Próximo Texto: Ex-curadores concordam com formato Índice
|