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crítica
Na despedida, Alban Berg mantém rigor
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Para quem esperava
uma performance especialmente comovida, talvez tenha sido um pouco frustrante. Mas não será o
Quarteto Alban Berg que vai
se render, agora, aos sentimentalismos; na "turnê da
despedida" faz concertos como sempre: repertório sem
concessões, interpretação
analítica da música, entrega
rigorosa e intensa a cada detalhe. Foi assim anteontem,
no Cultura Artística e pode-se imaginar que será assim
hoje, na Sala Cecília Meireles, no Rio.
Faz 37 anos que eles tocam
a melhor música de câmara
do passado e do presente -e
do futuro, se se pensar no
grande número de peças estreadas por eles (muitas registradas em disco, também).
De 1997 para cá, foi a quinta vez de ouvir o QAB no Cultura Artística. Quem teve o
privilégio terá também a
lembrança, a ser refratada
para sempre na história da
música de cada um de nós. O
programa desta semana não
podia ser mais característico:
o "Quarteto" op. 77/1 de
Haydn (1732-1809), o "Quarteto" op. 3 de Alban Berg
(1885-1935) e o op. 132 de
Beethoven (1770-1827). Berg
fica a meio caminho, entre
Haydn e Beethoven e nós; e
essa proporção, no contexto
criado pelo QAB, nos incita a
ouvir a música de outro jeito.
Bem no meio do caminho,
mesmo, até no sentido
drummondiano, fica a obra-prima modernista de Berg,
composta em 1910. Aqui, como em toda sua música, são
as transições que regem o
sentido das coisas. O filósofo
Theodor Adorno nos ensinou a compreender melhor
essa arte, em que tudo se
transforma o tempo todo, e
"a negação da própria existência [...] é a lei que governa
suas ações" (em "Alban Berg,
o Mestre das Pequenas Transições", 1968).
Para Adorno, o que mais
caracteriza a obra de Berg é
"a cumplicidade com a morte, uma atitude urbanamente cordial com respeito à sua
própria extinção". Tais frases poderiam ser gravadas
como epígrafe no memorial
imaginário do QAB, acompanhadas pela gravação de uma
peça como essa, tocada como
tocaram: a música se expondo e retraindo, num tipo
mais-que-vienense de
"Schwung" -um "suingue"
não só rítmico, mas também
das dinâmicas, do tom, da intensão expressiva geral.
Seu antecessor é Haydn,
mas seu ponto de chegada,
invertendo a flecha do tempo, é Beethoven, para onde
afinal convergem todos os
quartetos. Só assim se entende, entre outras coisas, o que
eles fizeram em algumas passagens do op. 132: uma espécie de movimento parado,
uma agitação imobilizada,
que depois se libera com força radiante.
Entre as lições do QAB fica
essa: a influência, na música,
é uma via de duas mãos. Não
deixa de ser um consolo, para
quem se acostumou a escutar esse quarteto ao longo
das últimas quatro décadas.
Cada um de nós, agora, leva
eles por dentro, para continuar a viagem na melhor
companhia.
QUARTETO ALBAN BERG
Quando: hoje, às 20h
Onde: Sala Cecília Meireles (lgo. da
Lapa, 47, Rio, tel. 0/ xx/21/2224-4291)
Quanto: R$ 20 a R$ 30
Avaliação: ótimo
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