São Paulo, sexta-feira, 04 de julho de 2008

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crítica

Na despedida, Alban Berg mantém rigor

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Para quem esperava uma performance especialmente comovida, talvez tenha sido um pouco frustrante. Mas não será o Quarteto Alban Berg que vai se render, agora, aos sentimentalismos; na "turnê da despedida" faz concertos como sempre: repertório sem concessões, interpretação analítica da música, entrega rigorosa e intensa a cada detalhe. Foi assim anteontem, no Cultura Artística e pode-se imaginar que será assim hoje, na Sala Cecília Meireles, no Rio.
Faz 37 anos que eles tocam a melhor música de câmara do passado e do presente -e do futuro, se se pensar no grande número de peças estreadas por eles (muitas registradas em disco, também).
De 1997 para cá, foi a quinta vez de ouvir o QAB no Cultura Artística. Quem teve o privilégio terá também a lembrança, a ser refratada para sempre na história da música de cada um de nós. O programa desta semana não podia ser mais característico: o "Quarteto" op. 77/1 de Haydn (1732-1809), o "Quarteto" op. 3 de Alban Berg (1885-1935) e o op. 132 de Beethoven (1770-1827). Berg fica a meio caminho, entre Haydn e Beethoven e nós; e essa proporção, no contexto criado pelo QAB, nos incita a ouvir a música de outro jeito.
Bem no meio do caminho, mesmo, até no sentido drummondiano, fica a obra-prima modernista de Berg, composta em 1910. Aqui, como em toda sua música, são as transições que regem o sentido das coisas. O filósofo Theodor Adorno nos ensinou a compreender melhor essa arte, em que tudo se transforma o tempo todo, e "a negação da própria existência [...] é a lei que governa suas ações" (em "Alban Berg, o Mestre das Pequenas Transições", 1968). Para Adorno, o que mais caracteriza a obra de Berg é "a cumplicidade com a morte, uma atitude urbanamente cordial com respeito à sua própria extinção". Tais frases poderiam ser gravadas como epígrafe no memorial imaginário do QAB, acompanhadas pela gravação de uma peça como essa, tocada como tocaram: a música se expondo e retraindo, num tipo mais-que-vienense de "Schwung" -um "suingue" não só rítmico, mas também das dinâmicas, do tom, da intensão expressiva geral.
Seu antecessor é Haydn, mas seu ponto de chegada, invertendo a flecha do tempo, é Beethoven, para onde afinal convergem todos os quartetos. Só assim se entende, entre outras coisas, o que eles fizeram em algumas passagens do op. 132: uma espécie de movimento parado, uma agitação imobilizada, que depois se libera com força radiante.
Entre as lições do QAB fica essa: a influência, na música, é uma via de duas mãos. Não deixa de ser um consolo, para quem se acostumou a escutar esse quarteto ao longo das últimas quatro décadas. Cada um de nós, agora, leva eles por dentro, para continuar a viagem na melhor companhia.


QUARTETO ALBAN BERG
Quando: hoje, às 20h
Onde: Sala Cecília Meireles (lgo. da Lapa, 47, Rio, tel. 0/ xx/21/2224-4291)
Quanto: R$ 20 a R$ 30
Avaliação: ótimo



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