São Paulo, sexta-feira, 04 de agosto de 2000


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MÚSICA
Em parceria com o filho, compositor lança "Na Esquina" e diz que a música tem duas opções, o museu e o mercado
João Bosco dosa intuição e formalismo

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Esquina é a palavra-chave do novo álbum do mineiro João Bosco, 54. "Na Esquina" pretende aproveitar todas as leituras possíveis do termo (menos uma quase imediata, com o clube da esquina de Milton Nascimento, mineiro nascido no Rio de Janeiro) para se (in)definir.
"Gosto de ficar na esquina. Não pertenço a esse nem àquele, não estou nessa nem naquela. Esquina é um lugar indefinido, não está numa via nem na outra. Eu gosto de estar ali, olhando o movimento ou os movimentos", filosofa.
Só quanto ao movimento mineiro que teve ápice no início dos 70, não: "Não, o clube da esquina é tão bem definido. "Na esquina" é indefinido, pode ser ali, ou lá...".
A negação não envolve nada em contrário em relação à turma de Milton, ele diz: "Ele fez a grande revolução musical brasileira quando surgiu. Tem importância incomensurável, trouxe outro parâmetro harmônico, melódico, de mistério. A tropicália fez o mesmo no terreno comportamental, alargando possibilidades, mas musicalmente foi o clube da esquina".

Afro-brasilidade invadida
Entretanto, situado em outras esquinas, Bosco leva adiante seu projeto musical, de espontaneidade afro-brasileira cada vez mais invadida pela bossa nova e pelo jazz (Jaques Morelenbaum, de escola jobiniana, é produtor e orquestrador do CD).
E como o artista equilibra a espontaneidade e a aparência de formalismo que envolve sua obra? "Acho que sou espontâneo o tempo todo. Não conheço uma nota de música, não sei ler música. Sou um músico intuitivo. Não sei como é que funciona, de onde vem o efeito formalista. Jaquinho (Morelenbaum) me vê fazer certas coisas que depois não sei repetir. Escreve, me mostra, aprendo comigo o que inventei e esqueci".
Reconhece isso como uma característica da MPB, com lado bom e lado mau. "É tipicamente brasileiro isso, você não vê em outros lugares. Isso tem seu lado negativo também, de repente poderíamos defender nossas idéias com maior rigor. Mas nunca encontrei nenhum obstáculo por causa disso."
Voltando às esquinas, define o que chama de as três questões de eixo do disco: "Há a diagonal de que falava Villa-Lobos, do formal/erudito/sofisticado com o popular/folclórico, há os cruzamentos propriamente ditos, os mais variáveis, e há a brasilidade".
Acaba por excluir também, das esquinas, a esquina prostituta das preocupações em prioridade com o mercado.
"Não estou atento a isso. Sei que a música hoje está entre duas opções, o museu -de onde bebemos na fonte, matamos a sede de informação- e o mercado. Estamos nesse meio, mas não sei tirar conclusões mercadológicas. Um compositor de 54 anos não desperta mercadologicamente interesse como um que está começando agora, com cabelo, juventude. Já tive cabelo, já fui jovem, mas isso não me incomoda se ainda posso passar ímpeto, vontade, tesão", diz, do alto de média de 60 mil exemplares vendidos a cada título lançado no mercado dos milhões de cópias.

Parceria
Movido entre tradição e contemporaneidade, dá continuidade em "Na Esquina" à parceria, iniciada em 97, com o filho Francisco Bosco, 23. É seu modo de buscar juventude? E aqui não há conflito de geração?
"Compor com ele é bem mais fácil que ser pai dele. Como sou músico, minha vida está muito ligada à estrada. Não pude dar atenção a meus filhos como um pai deve dar. Então, com Chico, tenho uma relação mais no plano da amizade que no afetivo, de pai e filho. A parceria talvez até seja uma busca de reaproximação."
Fosse em política, se chamaria nepotismo, não? "É, Jobim dizia isso de sua banda... Mas não acho que seja. As pessoas conquistam seu espaço pelo valor que têm. Ele não é letrista de obra grande, mas todo letrista tem um começo. Meu disco de estréia, de 73, com arranjos de Rogério Duprat e Luizinho Eça, nem se encontra mais, é raridade, mas foi um começo."
Contando que o filho não desenvolve o lado "músico" (faz mestrado em literatura), encontra enfim, talvez sem querer, sua antítese (no passado ocupada por Aldir Blanc, letrista na parceria histórica dos 70 com o músico Bosco), possível conflito brando de gerações.


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