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MÚSICA
Em parceria com o filho, compositor lança "Na Esquina" e diz que a música tem duas opções, o museu e o mercado
João Bosco dosa intuição e formalismo
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Esquina é a palavra-chave do
novo álbum do mineiro João Bosco, 54. "Na Esquina" pretende
aproveitar todas as leituras possíveis do termo (menos uma quase
imediata, com o clube da esquina
de Milton Nascimento, mineiro
nascido no Rio de Janeiro) para se
(in)definir.
"Gosto de ficar na esquina. Não
pertenço a esse nem àquele, não
estou nessa nem naquela. Esquina
é um lugar indefinido, não está
numa via nem na outra. Eu gosto
de estar ali, olhando o movimento
ou os movimentos", filosofa.
Só quanto ao movimento mineiro que teve ápice no início dos
70, não: "Não, o clube da esquina
é tão bem definido. "Na esquina" é
indefinido, pode ser ali, ou lá...".
A negação não envolve nada em
contrário em relação à turma de
Milton, ele diz: "Ele fez a grande
revolução musical brasileira
quando surgiu. Tem importância
incomensurável, trouxe outro parâmetro harmônico, melódico, de
mistério. A tropicália fez o mesmo no terreno comportamental,
alargando possibilidades, mas
musicalmente foi o clube da esquina".
Afro-brasilidade invadida
Entretanto, situado em outras
esquinas, Bosco leva adiante seu
projeto musical, de espontaneidade afro-brasileira cada vez mais
invadida pela bossa nova e pelo
jazz (Jaques Morelenbaum, de escola jobiniana, é produtor e orquestrador do CD).
E como o artista equilibra a espontaneidade e a aparência de
formalismo que envolve sua obra?
"Acho que sou espontâneo o tempo todo. Não conheço uma nota
de música, não sei ler música. Sou
um músico intuitivo. Não sei como é que funciona, de onde vem o
efeito formalista. Jaquinho (Morelenbaum) me vê fazer certas
coisas que depois não sei repetir.
Escreve, me mostra, aprendo comigo o que inventei e esqueci".
Reconhece isso como uma característica da MPB, com lado
bom e lado mau. "É tipicamente
brasileiro isso, você não vê em outros lugares. Isso tem seu lado negativo também, de repente poderíamos defender nossas idéias
com maior rigor. Mas nunca encontrei nenhum obstáculo por
causa disso."
Voltando às esquinas, define o
que chama de as três questões de
eixo do disco: "Há a diagonal de
que falava Villa-Lobos, do formal/erudito/sofisticado com o
popular/folclórico, há os cruzamentos propriamente ditos, os
mais variáveis, e há a brasilidade".
Acaba por excluir também, das
esquinas, a esquina prostituta das
preocupações em prioridade com
o mercado.
"Não estou atento a isso. Sei que
a música hoje está entre duas opções, o museu -de onde bebemos na fonte, matamos a sede de
informação- e o mercado. Estamos nesse meio, mas não sei tirar
conclusões mercadológicas. Um
compositor de 54 anos não desperta mercadologicamente interesse como um que está começando agora, com cabelo, juventude.
Já tive cabelo, já fui jovem, mas isso não me incomoda se ainda
posso passar ímpeto, vontade, tesão", diz, do alto de média de 60
mil exemplares vendidos a cada
título lançado no mercado dos
milhões de cópias.
Parceria
Movido entre tradição e contemporaneidade, dá continuidade em "Na Esquina" à parceria,
iniciada em 97, com o filho Francisco Bosco, 23. É seu modo de
buscar juventude? E aqui não há
conflito de geração?
"Compor com ele é bem mais
fácil que ser pai dele. Como sou
músico, minha vida está muito ligada à estrada. Não pude dar
atenção a meus filhos como um
pai deve dar. Então, com Chico,
tenho uma relação mais no plano
da amizade que no afetivo, de pai
e filho. A parceria talvez até seja
uma busca de reaproximação."
Fosse em política, se chamaria
nepotismo, não? "É, Jobim dizia
isso de sua banda... Mas não acho
que seja. As pessoas conquistam
seu espaço pelo valor que têm. Ele
não é letrista de obra grande, mas
todo letrista tem um começo.
Meu disco de estréia, de 73, com
arranjos de Rogério Duprat e Luizinho Eça, nem se encontra mais,
é raridade, mas foi um começo."
Contando que o filho não desenvolve o lado "músico" (faz
mestrado em literatura), encontra
enfim, talvez sem querer, sua antítese (no passado ocupada por Aldir Blanc, letrista na parceria histórica dos 70 com o músico Bosco), possível conflito brando de
gerações.
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