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RESGATE
Frases de "Elogio do Amor" são publicadas; CD tem composições de Duhamel
Jean-Luc Godard é tema em livro e disco na França
ALCINO LEITE NETO
DE PARIS
O diretor de cinema Jean-Luc
Godard, cada vez menos conhecido pelos brasileiros, é um acontecimento literário e musical na
França. Nas livrarias, foi lançada a
transcrição dos textos e diálogos
de "Eloge de l'Amour" ("Elogio
do Amor"), seu último filme, em
cartaz em Paris. Nas discotecas,
chegou o CD que reúne as trilhas
do compositor Antoine Duhamel
para os filmes "Pierrot Le Fou"
(1965) e "Weekend" (1967).
As trilhas são o que melhor produziu Duhamel, 70, descontada
sua música para "Domicílio Conjugal" (1970), de François Truffaut. O compositor foi testemunha privilegiada do desvio que
Godard fez, entre "Pierrot" e
"Weekend", de um cinema lírico,
de conotação anarquista, ao filme-ensaio de militância política.
As composições expressam tal
movimento. A dramaticidade da
trilha de "Pierrot" dá lugar em
"Weekend" a uma construção
grave e tensa, que atinge até mesmo a versão de Duhamel da "Internacional", o hino do operariado marxista, composto pelo francês Eugene Poittier, na época da
Comuna de Paris (1871).
Duhamel diz que Godard queria
algo de Schumann na música de
"Pierrot", para definir a esquizofrenia do protagonista, dividido
entre a vida burguesa e a ruptura
libertária. Os temas "Ferdinand"
e "Pierrot", em separado no início, não chegam no entanto a colidir e se harmonizam surpreendentemente no final, na bela "La
Mort Bleue". A sabedoria musical
de Duhamel não se fiou muito no
que era, afinal, apenas uma dicotomia aparente do personagem.
Três canções interpretadas pela
atriz Anna Karina tomam conta
da emoção do ouvinte. Sobretudo
nas maravilhosas "Jamais Je Ne
T'ai Dit Que Je T'aimerais Toujours" e "Ma Ligne de Chance".
Ambas são do compositor francês
de origem iraniana Cyrus Bassiak,
ator em "Jules e Jim", de Truffaut,
e foram escolhidas pessoalmente
por Godard.
O livro "Elogio do Amor" leva o
subtítulo "Frases (Tiradas de um
Filme)", a fim de insistir na sua
categoria adjacente ao cinema.
Mas trata-se de uma obra literária
em si mesma, situada entre o aforismo, a narrativa curta, o diálogo
e a poesia. Há alguns anos, Godard vem editando os textos de
seus filmes dessa forma, pela
prestigiosa editora POL.
Objeto autônomo, o livro não
esclarece o filme, mas o torna ainda mais complexo. Sem introdução, posfácio ou orelhas, também
não conta com nenhuma definição do diretor a respeito de planos, ambientes ou personagens.
O leitor é deixado completamente só com um mosaico de frases, cujos sentidos estalam na
consciência à maneira de segredos que Godard nos fosse contando. O diretor, na velhice, desenvolveu o murmúrio, a confidência, a memória e o lamento como
categorias de sua arte.
Os segredos de "Elogio do
Amor" se referem à História
maiúscula, tomando um diretor
que deseja filmar a vida de um casal na Resistência francesa.
Na primeira parte do filme, as
imagens geniais de Paris recapitulam, em p&b, os lugares marcados pelas lutas por liberdade e justiça, enquanto revelam quanta
fantasmagoria, apatia e miséria
ocupam a cidade hoje ("os miseráveis estão por todo canto hoje...
os de Victor Hugo...").
Na segunda parte, filmada em
cores, com câmera digital, no norte da França, Godard vai também
ao encontro do passado. Rumo à
Bretanha, o ponto geográfico em
que a França encontra, na história, a Grã-Bretanha e, portanto, os
Estados Unidos, cuja dominação
mundial é um dos principais temas do filme e do livro.
Ali, o diretor blasfema contra a
Inglaterra ("o refúgio de tudo
quanto pode ser resistente à revolução"), interroga-se sobre o fato
de os americanos não terem um
nome próprio ("o Brasil também
são Estados Unidos do Brasil e
eles se chamam brasileiros") e sobre a dificuldade de eles distinguirem o seu passado ("como vocês
não têm uma longa história, precisam procurá-la nos outros, no
Vietnã, em Sarajevo...").
"Elogio do Amor" é um filme
guerreiro, no qual explodem conflitos: entre técnica e política, juventude e velhice, resistência e
dominação, som e imagem, lembrança e esquecimento.
É também um elogio da história
-não como resistência do passado, mas como condição da liberdade no presente. Godard quer
reativar no espectador a paixão
cada vez mais remota pela auto-determinação e a ação livre. "Pode-se gozar a existência, não a vida", ele escreve -e filma.
ELOGIO DO AMOR (ELOGE DE
L'AMOUR) - De Jean-Luc Godard.
Editora POL (Paris). 75 francos; cerca de
R$ 25 (128 págs.).
PIERROT LE FOU/WEEKEND - De
Antoine Duhamel. Lançamento: Emercy/
Universal (importado). 90 francos (cerca
de R$ 30).
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