São Paulo, sábado, 04 de agosto de 2001

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RESGATE

Frases de "Elogio do Amor" são publicadas; CD tem composições de Duhamel

Jean-Luc Godard é tema em livro e disco na França

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

O diretor de cinema Jean-Luc Godard, cada vez menos conhecido pelos brasileiros, é um acontecimento literário e musical na França. Nas livrarias, foi lançada a transcrição dos textos e diálogos de "Eloge de l'Amour" ("Elogio do Amor"), seu último filme, em cartaz em Paris. Nas discotecas, chegou o CD que reúne as trilhas do compositor Antoine Duhamel para os filmes "Pierrot Le Fou" (1965) e "Weekend" (1967).
As trilhas são o que melhor produziu Duhamel, 70, descontada sua música para "Domicílio Conjugal" (1970), de François Truffaut. O compositor foi testemunha privilegiada do desvio que Godard fez, entre "Pierrot" e "Weekend", de um cinema lírico, de conotação anarquista, ao filme-ensaio de militância política.
As composições expressam tal movimento. A dramaticidade da trilha de "Pierrot" dá lugar em "Weekend" a uma construção grave e tensa, que atinge até mesmo a versão de Duhamel da "Internacional", o hino do operariado marxista, composto pelo francês Eugene Poittier, na época da Comuna de Paris (1871).
Duhamel diz que Godard queria algo de Schumann na música de "Pierrot", para definir a esquizofrenia do protagonista, dividido entre a vida burguesa e a ruptura libertária. Os temas "Ferdinand" e "Pierrot", em separado no início, não chegam no entanto a colidir e se harmonizam surpreendentemente no final, na bela "La Mort Bleue". A sabedoria musical de Duhamel não se fiou muito no que era, afinal, apenas uma dicotomia aparente do personagem.
Três canções interpretadas pela atriz Anna Karina tomam conta da emoção do ouvinte. Sobretudo nas maravilhosas "Jamais Je Ne T'ai Dit Que Je T'aimerais Toujours" e "Ma Ligne de Chance". Ambas são do compositor francês de origem iraniana Cyrus Bassiak, ator em "Jules e Jim", de Truffaut, e foram escolhidas pessoalmente por Godard.
O livro "Elogio do Amor" leva o subtítulo "Frases (Tiradas de um Filme)", a fim de insistir na sua categoria adjacente ao cinema. Mas trata-se de uma obra literária em si mesma, situada entre o aforismo, a narrativa curta, o diálogo e a poesia. Há alguns anos, Godard vem editando os textos de seus filmes dessa forma, pela prestigiosa editora POL.
Objeto autônomo, o livro não esclarece o filme, mas o torna ainda mais complexo. Sem introdução, posfácio ou orelhas, também não conta com nenhuma definição do diretor a respeito de planos, ambientes ou personagens.
O leitor é deixado completamente só com um mosaico de frases, cujos sentidos estalam na consciência à maneira de segredos que Godard nos fosse contando. O diretor, na velhice, desenvolveu o murmúrio, a confidência, a memória e o lamento como categorias de sua arte.
Os segredos de "Elogio do Amor" se referem à História maiúscula, tomando um diretor que deseja filmar a vida de um casal na Resistência francesa.
Na primeira parte do filme, as imagens geniais de Paris recapitulam, em p&b, os lugares marcados pelas lutas por liberdade e justiça, enquanto revelam quanta fantasmagoria, apatia e miséria ocupam a cidade hoje ("os miseráveis estão por todo canto hoje... os de Victor Hugo...").
Na segunda parte, filmada em cores, com câmera digital, no norte da França, Godard vai também ao encontro do passado. Rumo à Bretanha, o ponto geográfico em que a França encontra, na história, a Grã-Bretanha e, portanto, os Estados Unidos, cuja dominação mundial é um dos principais temas do filme e do livro.
Ali, o diretor blasfema contra a Inglaterra ("o refúgio de tudo quanto pode ser resistente à revolução"), interroga-se sobre o fato de os americanos não terem um nome próprio ("o Brasil também são Estados Unidos do Brasil e eles se chamam brasileiros") e sobre a dificuldade de eles distinguirem o seu passado ("como vocês não têm uma longa história, precisam procurá-la nos outros, no Vietnã, em Sarajevo...").
"Elogio do Amor" é um filme guerreiro, no qual explodem conflitos: entre técnica e política, juventude e velhice, resistência e dominação, som e imagem, lembrança e esquecimento.
É também um elogio da história -não como resistência do passado, mas como condição da liberdade no presente. Godard quer reativar no espectador a paixão cada vez mais remota pela auto-determinação e a ação livre. "Pode-se gozar a existência, não a vida", ele escreve -e filma.


ELOGIO DO AMOR (ELOGE DE L'AMOUR) - De Jean-Luc Godard. Editora POL (Paris). 75 francos; cerca de R$ 25 (128 págs.).



PIERROT LE FOU/WEEKEND - De Antoine Duhamel. Lançamento: Emercy/ Universal (importado). 90 francos (cerca de R$ 30).



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