São Paulo, sábado, 04 de agosto de 2001

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MÚSICA

Trompetista de jazz completaria cem anos hoje

Gravadoras nacionais ignoram o centenário de Louis Armstrong

EDSON FRANCO
EDITOR DE IMÓVEIS E CONSTRUÇÃO

Se dependesse apenas das gravadoras nacionais, pouca gente lembraria que, no dia 4 de agosto de 1901, Nova Orleans viu nascer seu filho mais ilustre, o trompetista Louis Armstrong. Não há nenhum grande relançamento à vista nem edições nacionais da miríade de caixas e coletâneas que vêm sendo lançadas nos EUA e na Europa desde o ano passado.
Por aqui, quem quiser soprar as velinhas com um mínimo de pertinência e circunstância terá de esperar até o dia 9 de outubro, quando o também trompetista de Nova Orleans Nicholas Payton vem a São Paulo mostrar o repertório do CD "Dear Louis", em que homenageia o conterrâneo.
Hoje, entender a importância de Armstrong exige um breve retrospecto. É preciso imaginar um mundo em que os ritmos eram "quadrados" (sem swing), em que poucos haviam ouvido o blues, em que a idéia de desgarrar o solo do todo orquestral era uma blasfêmia e em que não era permitido aos músicos recorrer a guinchos e guizos para extrair emoção de seus instrumentos.
Não dá para ver o quadro todo? Então o próximo exercício dura 20 segundos. Basta ouvir a introdução de "West End Blues", gravada em 28 de junho de 1928. Ali há tudo o que é preciso para entender a importância dele no jazz e do jazz na música ocidental.
Nesse pequeno trecho musical, Armstrong compila a herança blueseira, o lirismo que beira a erudição, o swing que fala simultaneamente a cérebro e cintura e conceitos que originariam o bebop mais de uma década depois.

Obra do acaso
Na maioria, suas descobertas eram fruto de muita dedicação. Mas há algumas que ocorreram por acidente. É o caso do scat.
Durante a gravação de "Heebie Jeebies", em 26 de fevereiro de 1926, a partitura com a letra caiu. Armstrong continuou entoando a melodia sem as palavras. Estava criada a técnica que Ella Fitzgerald elevou ao status de arte.
Se, com seu trompete e voz, Armstrong só produzia razões para elogios -exceto por algumas escorregadelas pop-, com sua risada irremovível ele colecionou desafetos. Para muitos, suas sempre sorridentes aparições em filmes e trocas de afagos com presidentes e personalidades brancas passavam a impressão de que os negros dos EUA levavam uma vida tão reluzente quanto os dentes e o trompete de Armstrong.
Um episódio tira um pouco de razão de quem pensava assim. Em uma entrevista, o trompetista criticou o presidente Dwight Eisenhower, que relutava em forçar o governo do Arkansas a pôr fim à segregação nas escolas do Estado. "O presidente não tem colhões." Era 1957, ano em que frases assim eram ousadas até para brancos.
Armstrong sorria, mas conhecia por dentro os problemas raciais dos EUA desde o berço. Quando ele nasceu, sua mãe tinha 15 anos e fazia bicos como prostituta. No ano seguinte, seu pai abandonou a família. Armstrong comemorou o Ano Novo de 1913 disparando tiros para o alto com um revólver calibre 38. Foi preso e enviado a um reformatório.
Dono de pulmões privilegiados, ele era o responsável por soprar os apitos que coordenavam as atividades de seus colegas de reformatório. Peter Davis, um dos supervisores, resolveu aproveitar aqueles pulmões na banda do reformatório e deu a Armstrong as primeiras lições no trompete.
Quando deixou a instituição, um ano e meio depois, o trompetista já tinha técnica suficiente para tocar nas boates de Nova Orleans e chamar a atenção de Joe "King" Oliver, trompetista e "band leader" que levou Armstrong para Chicago, em 1922.
Começaram então os shows em grandes casas, os convites para gravações, a formação da banda própria, a divisão de estúdios e palcos com os mais renomados músicos da época e a formação de um legado musical sem paralelos.
Legado esse que gerou mais prestígio que dinheiro. Quando morreu, em 6 de julho de 1971, Armstrong tinha um patrimônio de US$ 531 mil. Joe Glaser, seu empresário desde 1935, morreu em 1969, deixando na Terra um dote de mais de US$ 3 milhões.



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