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MÚSICA
Trompetista de jazz completaria cem anos hoje
Gravadoras nacionais ignoram o centenário de Louis Armstrong
EDSON FRANCO
EDITOR DE IMÓVEIS E CONSTRUÇÃO
Se dependesse apenas das gravadoras nacionais, pouca gente
lembraria que, no dia 4 de agosto
de 1901, Nova Orleans viu nascer
seu filho mais ilustre, o trompetista Louis Armstrong. Não há nenhum grande relançamento à vista nem edições nacionais da miríade de caixas e coletâneas que
vêm sendo lançadas nos EUA e na
Europa desde o ano passado.
Por aqui, quem quiser soprar as
velinhas com um mínimo de pertinência e circunstância terá de
esperar até o dia 9 de outubro,
quando o também trompetista de
Nova Orleans Nicholas Payton
vem a São Paulo mostrar o repertório do CD "Dear Louis", em que
homenageia o conterrâneo.
Hoje, entender a importância
de Armstrong exige um breve retrospecto. É preciso imaginar um
mundo em que os ritmos eram
"quadrados" (sem swing), em
que poucos haviam ouvido o
blues, em que a idéia de desgarrar
o solo do todo orquestral era uma
blasfêmia e em que não era permitido aos músicos recorrer a
guinchos e guizos para extrair
emoção de seus instrumentos.
Não dá para ver o quadro todo?
Então o próximo exercício dura
20 segundos. Basta ouvir a introdução de "West End Blues", gravada em 28 de junho de 1928. Ali
há tudo o que é preciso para entender a importância dele no jazz
e do jazz na música ocidental.
Nesse pequeno trecho musical,
Armstrong compila a herança
blueseira, o lirismo que beira a
erudição, o swing que fala simultaneamente a cérebro e cintura e
conceitos que originariam o bebop mais de uma década depois.
Obra do acaso
Na maioria, suas descobertas
eram fruto de muita dedicação.
Mas há algumas que ocorreram
por acidente. É o caso do scat.
Durante a gravação de "Heebie
Jeebies", em 26 de fevereiro de
1926, a partitura com a letra caiu.
Armstrong continuou entoando a
melodia sem as palavras. Estava
criada a técnica que Ella Fitzgerald elevou ao status de arte.
Se, com seu trompete e voz,
Armstrong só produzia razões
para elogios -exceto por algumas escorregadelas pop-, com
sua risada irremovível ele colecionou desafetos. Para muitos, suas
sempre sorridentes aparições em
filmes e trocas de afagos com presidentes e personalidades brancas
passavam a impressão de que os
negros dos EUA levavam uma vida tão reluzente quanto os dentes
e o trompete de Armstrong.
Um episódio tira um pouco de
razão de quem pensava assim.
Em uma entrevista, o trompetista
criticou o presidente Dwight Eisenhower, que relutava em forçar o
governo do Arkansas a pôr fim à
segregação nas escolas do Estado.
"O presidente não tem colhões."
Era 1957, ano em que frases assim
eram ousadas até para brancos.
Armstrong sorria, mas conhecia por dentro os problemas raciais dos EUA desde o berço.
Quando ele nasceu, sua mãe tinha
15 anos e fazia bicos como prostituta. No ano seguinte, seu pai
abandonou a família. Armstrong
comemorou o Ano Novo de 1913
disparando tiros para o alto com
um revólver calibre 38. Foi preso e
enviado a um reformatório.
Dono de pulmões privilegiados,
ele era o responsável por soprar
os apitos que coordenavam as atividades de seus colegas de reformatório. Peter Davis, um dos supervisores, resolveu aproveitar
aqueles pulmões na banda do reformatório e deu a Armstrong as
primeiras lições no trompete.
Quando deixou a instituição,
um ano e meio depois, o trompetista já tinha técnica suficiente para tocar nas boates de Nova Orleans e chamar a atenção de Joe
"King" Oliver, trompetista e
"band leader" que levou Armstrong para Chicago, em 1922.
Começaram então os shows em
grandes casas, os convites para
gravações, a formação da banda
própria, a divisão de estúdios e
palcos com os mais renomados
músicos da época e a formação de
um legado musical sem paralelos.
Legado esse que gerou mais
prestígio que dinheiro. Quando
morreu, em 6 de julho de 1971,
Armstrong tinha um patrimônio
de US$ 531 mil. Joe Glaser, seu
empresário desde 1935, morreu
em 1969, deixando na Terra um
dote de mais de US$ 3 milhões.
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