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CRÍTICA
Cabral se veste de Nara
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma das coisas mais bonitas
na nova biografia de Sérgio
Cabral é que o autor parece ali se
vestir de Nara Leão, incorporando a elegância e a discrição que se
contavam entre as melhores características da artista.
"Nara Leão - Uma Biografia" é
um livro discreto. Parece econômico, parece ir se apoiando quase
só numa fenomenal coleção de
frases e informações de e sobre
Nara, colhidas numa pesquisa em
mais de 40 anos de imprensa.
Não penetra na futrica, nunca
investe no que não é essencial à
composição do perfil da mais importante cantora brasileira de seu
tempo (como ele próprio defende, embora não diretamente no livro). Mas está tudo lá, em elegantes e discretas entrelinhas: as inconstâncias psicológicas, os tumultos amorosos, as rivalidades
dentro dos muros da MPB.
É muito menos minucioso no livro sobre Nara que no que escreveu sobre Tom Jobim, por exemplo. Mas essa é uma outra túnica
que tomou emprestada de Nara
-a concisão era outra de suas
qualidades centrais, provavelmente aprendida (mas nunca explicitada) com João Gilberto.
O que a princípio poderia até
parecer um relato monótono sobre uma figura meio esquecida na
poeira da MPB se torna, à medida
que Cabral vai se fazendo convincente, uma história ímpar, fortemente emocionante.
Ao desavisado que ainda não
havia percebido isso, a grandeza
de Nara Leão assoma, assustadora, conforme as páginas do livro
vão correndo.
Cabral vai contando e desenrolando um rico novelo. Conta, dizendo sem dizer explicitamente,
que Nara se insurgiu cedo demais
contra a bossa que a formou, por
amor ao passado que o movimento negava, por amor à política e
por amor frustrado a Ronaldo
Bôscoli. Que, jovenzinha como
era, influenciou enormemente a
dama da canção Elizeth Cardoso.
Que, mocinha e repleta de inocência arrogante, peitou o regime
militar com a violência de um
marmanjão. Que cedeu à barra
pouco depois, fazendo o Brasil assoviar a tolice doce de "A Banda".
Que em 68 se agregou à turminha tropicalista por puro amor ao
novo e ao inusual, o mesmo amor
que a faria em outros momentos
apoiar o samba encabulado, os
afro-sambas de Baden Powell e
Vinicius de Moraes (foi a primeira a cantá-los), as músicas de Fagner ou Roberto e Erasmo Carlos.
Que o AI-5 e o exílio ceifaram
seu entusiasmo político-musical
para sempre, ainda que os anos 70
recebessem de sua voz mais uma
série de pequenas obras-primas.
Da curva 68/69 em diante, tornava-se uma artista interrompida, calada no inconformismo pelo rumo que o Brasil tomava. Dolorosa, a parte final do livro encena com a discrição de Nara a metáfora da gigantesca derrocada
nacional, escondida num tumor
aninhado no cérebro da mais importante cantora brasileira de seu
tempo. Resta-nos a história.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Nara Leão - Uma Biografia
Autor: Sérgio Cabral
Editora: Lumiar
Quanto: R$ 29 (268 págs.)
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