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São Paulo, segunda-feira, 04 de agosto de 2003

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QUADRINHOS

Desenhista da personagem Valentina, italiano morreu na semana passada, aos 70 anos

Guido Crepax elevou HQ ao status de arte

DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Marquês de Sade, Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sartre, Louise Brooks, Kafka, Rembrandt, Samuel Beckett, Eisenstein e sexo. O que isso tudo tem a ver? Eles ajudaram o italiano Guido Crepax, morto aos 70 anos em decorrência de uma esclerose múltipla na última quarta-feira, em Milão, a conferir às histórias em quadrinhos européias o status de arte.
Nascido em 15 de julho de 1933, Crepax formou-se em arquitetura, desenhou soldadinhos de guerra para jogos infantis na década de 50 e ilustrou histórias publicitárias para uma revista de medicina até ser descoberto pela equipe da revista "Linus", que editava as histórias de Charlie Brown.
Mas seria só no quarto número da publicação, em julho de 1965, que o desenhista e escritor italiano entraria para a história das histórias em quadrinhos. E a culpa é de Valentina. Criada inicialmente como coadjuvante de Neutron, um crítico de arte com poderes especiais, a morena chanel de corpo escultural roubou a atenção de Deus e o mundo e se tornou protagonista da série, ganhando seu primeiro álbum solo em 1967.
Publicadas no Brasil pelos fanzines "Grilo" e "Balão" e, posteriormente, pelas editoras LP&M e Martins Fontes, as aventuras de Valentina reuniram as grandes paixões de Crepax: HQs de Flash Gordon, teorias oníricas freudianas e a vamp do cinema Louise Brooks, declarada inspiração para o visual de Valentina -veladamente, falava-se também em Luisa Crepax, a mulher do escritor.
Lidas em diversos planos, suas histórias transitavam da realidade de Valentina -"uma mulher de carne e osso", como bem resumiu Marco Aurélio Lucchetti em seu "As Sedutoras dos Quadrinhos" (Opera Graphica, 2001)- aos sonhos, lembranças e, principalmente, às leituras de Valentina, o retrato da "self-made woman" culta das décadas de 60 e 70.
"A grande contribuição de Crepax foi romper com os padrões de narrativa e diagramação dos quadrinhos da época", lembra o pesquisador Álvaro de Moya, sobre a forma irregular com que Crepax dividia as páginas, sempre em favor do melhor ângulo para retratar as suas beldades, incluída aí a lourinha Anita, que descobria diante do televisor que o aparelho era sua única e interminável fonte de prazer. Sim, sexual.
A imaginação fértil do quadrinista italiano rendeu ainda verdadeiras obras-primas baseadas em histórias de Sade ("Justine"), Arsan ("Emanuelle"), Pauline Réage ("História de O.") e Sacher-Masoch ("A Vênus das Peles"), além de adaptações para os clássicos "Frankenstein" e "Drácula". Seu outro vício, o jazz, foi declarado em "O Homem do Harlem", homenagem ao saxofonista Charlie "Bird" Parker publicada em 1978. Pai, perdoai os seus pecados...



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