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Itália ano zero
Divulgação
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Imagem do arquivo pessoal de Boris Schnaiderman que retrata soldados da FEB durante a campanha da Itália em 1944 |
Boris Schnaiderman traduz o outro lado das batalhas em "Guerra em Surdina"
LUCIANA ARAUJO
DA REDAÇÃO
Boris Schnaiderman, 87, nasceu
na Ucrânia, em 1917, ano da Revolução Bolchevique. Em "Guerra
em Surdina", relançado agora, 40
anos após sua primeira publicação, em 1964, o leitor é conduzido
a outro marco, não só da vida do
autor, mas também histórico: a
participação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na campanha italiana durante a Segunda
Guerra Mundial.
Tradutor do russo para o português de autores como Maiakóvski, Púchkin e Tchekhov, em
"Guerra em Surdina", Schnaiderman é interprete de si mesmo e de
mais de 20 mil homens, que como
ele, foram convocados em 1944,
pelo governo Vargas, para lutar
ao lado dos Aliados.
A partir do que vivenciou como
pracinha numa Itália destruída
pela guerra, Schnaiderman constrói uma narrativa ficcional, lançando-se em outra frente de batalha: a de traduzir a experiência
real em arte literária.
Em entrevista à Folha, Schnaiderman fala sobre as dificuldades
que enfrentou para que se desse
tal consubstanciação. No território do papel, o escritor diz ter dado muitas voltas até encontrar seu
caminho, o "seu tom". Em suas
mãos, a língua portuguesa já era
arma bem manejada. Contudo, os
tiros demoraram a acertar o alvo
que almejava, e ainda almeja, o
crítico rigoroso, que ele é. Leia a
seguir trechos da entrevista.
Folha - Como o sr. decidiu transformar sua experiência como pracinha da FEB em literatura?
Boris Schnaiderman -Eu precisava relatar a experiência. Se escrevesse uma autobiografia, centraria muito no meu caso, que é atípico, pois era um estrangeiro na
FEB, mas eu queria contar a experiência coletiva. Aquilo de o indivíduo não ver a necessidade de lutar e mesmo assim se sair bem me
surpreendeu. Para mim, isso só
seria possível se eles acreditassem
lutar por uma causa justa.
Folha - Essa é a visão do narrador-personagem, o estudante de medicina João Afonso, não?
Schnaiderman - Sim, a visão é
minha mesmo, mas nem tudo o
que acontece com João Afonso
aconteceu comigo.
Folha - Com relação aos fatos,
quais são as fronteiras entre testemunho e a criação ficcional em
"Guerra em Surdina"?
Schnaiderman - O livro é uma
ficção baseada no que aconteceu
comigo ou com companheiros da
FEB, ou no que poderia ter acontecido. São verídicos, por exemplo, os episódios em que servi de
intérprete [narrados no capítulo
"Naufrágio"], quando fui chamado para interrogar um homem
suspeito de ser espião alemão e
um russo. Aliás, usei a primeira
pessoa nestes casos, mas isso não
é regra. Muito do que é narrado
em primeira pessoa eu não vivi.
Folha - Quando "Guerra em Surdina" começou a ser escrito?
Schnaiderman - Comecei a escrever ainda na Itália. Escrevia e
rasgava... Escrevia e rasgava...Foram 19 anos até conclui-lo. Nunca
ficava satisfeito.
Folha - Depois da primeira edição, em 1964, pela Civilização Brasileira, o sr. fez alterações nas reedições da Brasiliense (85 e 95)...
Schnaiderman - Considero que
fui levado pelo entusiasmo, apesar de todo o tempo que levei para
finalizar a primeira edição. Depois, introduzi pequenas alterações estilísticas. Nesta nova edição, fiz algumas mudanças para
dar mais lógica à seqüência narrativa. Detalhes.
Folha - A publicação pouco após o
golpe militar foi por acaso?
Schnaiderman - Sim, entreguei o
livro para o editor antes do golpe.
Na época do lançamento ele foi
recebido com muito entusiasmo
pela crítica. Algumas avaliações
eram até exageradas demais. A recepção do público foi fria. A capa
da primeira edição trazia a imagem de um soldado tristonho,
justamente em um momento em
que muita gente não queria saber
de militares.
Folha - Como foi o processo de
elaboração ficcional?
Schnaiderman -Foi uma grande
dificuldade para mim. Era engenheiro agrônomo e tinha uma
formação muito tradicional. Estava acostumado com a estrutura
das criações literárias do século
19. Lia os clássicos. Quando comecei a escrever o livro, dominava o português, mas escrevia frases com a sintaxe correta e o texto
ficava tolhido. Demorei para encontrar o tom. Precisei travar
uma guerra comigo mesmo para
criar, misturando gêneros e vozes.
Usei um pouco de tudo, romance,
conto, diário, carta, documentário jornalístico. Senti um grande
alívio quando concluí.
Folha - Nesse momento, a leitura
de algum autor moderno o influênciou?
Schnaiderman -Não fui influenciado, mas estava impressionado
com o que escreviam Isaac Bábel e
Graciliano Ramos.
Folha - Pretende escrever outra
obra literária?
Schnaiderman -Sim. Quero voltar a esse tema. Em "Guerra em
Surdina" não pus tudo o que
aconteceu.
Folha - Então o sr. ainda continua
insatisfeito?
Schnaiderman - (risos).
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