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LITERATURA/CRÍTICA
História é recontada em livros que fogem do lugar comum de retratar apenas o ditador populista
A esfinge de Vargas e os seus decifradores
GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Três ótimos livros que não seguem a tendência dominante
em nossa historiografia de retratar Getúlio Vargas pelo ângulo do
simplismo: ditador, populista e
obcecado pelo poder.
O ex-presidente foi interrompido de levar adiante um projeto
nacional para o Brasil e sem o qual
o país, mesmo na era da chamada
globalização, não vai nunca dar
certo. O recorrente interesse pela
esfinge Vargas vai continuar, pois
o Brasil nos últimos 50 anos trilhou um caminho oposto ao que
foi traçado em sua "Carta Testamento" sobre o autodomínio da
nacionalidade.
O nacionalismo propugnado
por ele, refratário à condição do
Brasil como exportador de dólares, além de não ter vingado na
realidade, é tido como um desejo
político autárquico que caducou,
ficou anacrônico e perdeu o sentido, confinado à década de 50. A
história é escrita pelos vencedores
e comunicada pela ideologia das
classes dominantes.
A direita entreguista sente indisfarçável volúpia em dizer que
ele foi um perdedor. Os seus discípulos a exemplo de João Goulart,
Darcy Ribeiro e Leonel Brizola
também não se deram bem na política, não conseguiram materializar o desígnio nacionalista e trabalhista oriundo da Revolução de
30. O getulismo antimperialista é
a negatividade na história do Brasil há meio século. Uma negatividade reprimida e sabotada, embora volta e meia apareçam novos
coveiros da era Vargas.
O livro de Hélio Silva, agora reeditado, é um clássico sobre o tiro
colt 32 dado no coração. Médico,
Hélio tornou-se um grande historiador, tendo a sorte de não passar pelos cursos universitários de
história. Hélio Silva escrevia muito bem e não ficava preso à minudência do secundário. Por que o
sangue de Getúlio rolou em 54?
Hélio Silva foi simpático à aprontação reacionária 32 constitucional paulista, mas o seu talento de
historiador percebeu a grandeza
civilizacional embutida no ideário
de Vargas. Tragédia shakespeareana. Um "pequeno gigante",
disse-o Roosevelt. A conjuntura
mundial não lhe deu sossego,
emergência de Stalin, de Hitler, de
Mussolini, Guerra da Coréia, Segunda Guerra Mundial e Guerra
Fria; aqui em nosso quintal teve
de peitar o 32 paulista, a intentona
comunista de 35 e o ataque integralista no Catete em 1938, sem
mencionar a conspiração da Standard Oil contra a Petrobras.
Estudioso da getuliana, indo
fundo em assuntos espinhosos,
Juremir Machado da Silva escreve
a história sob a forma de romance, o que o levou a intertextos e
diálogos imaginários. Não para
chapar o personagem em transparência, mas para colocar neblina no mito. Acentuar ainda mais
o mito. Conquanto não seja para
sacralizá-lo. O que temos é um
Getúlio barroco, multifacetado.
O autor, como Gustave Flaubert, não gosta de concluir. Considera Carlos Lacerda, "o corvo do
Lavradio", uma espécie de curta-metragem de Vargas. Apaixonado pelo personagem, Juremir não
é, no entanto, um getulista. Sabe
tudo sobre a Era Vargas.
Ele dedicou o livro a seu amigo
Décio Freitas, o saudoso intelectual gaúcho que esteve próximo
de Jango e Leonel Brizola, os quais
fizeram cada um a seu modo a
hermenêutica de Getúlio Vargas.
Juremir tem o mérito de sublinhar inteligentemente que a épica
romanesca no Brasil do século 20
está inteira na vida e obra de Vargas desde 1930.
A tese defendida por Ronaldo
Aguiar, ainda que não seja original, realça o lado vitorioso da derrota representado pelo suicídio
altruísta, e não anômico, valendo-se da taxonomia do sociólogo
Durkheim. É que no dia 24 de
agosto de 1954 o golpismo da
UDN, liderado por Carlos Lacerda, sofreu uma derrota momentânea, com o detalhe esquisito que
também o Partido Comunista pediu a cabeça de Vargas, quando
este enfrentava os interesses do
imperialismo dos EUA.
O suicídio dele pegou todo
mundo de calça curta. O povo
saiu às ruas comovido depredando tanto jornal comunista quanto
o udenista. Esse gesto teve uma
inequívoca eficácia política, ao
afastar a resistência armada e a renúncia vexatória. Adiou em 10
anos o golpe de 64.
As forças políticas anti-democráticas e anti-nacionalistas que
queriam a renúncia de Vargas foram as mesmas que derrubaram
Goulart e implantaram a ditadura
em 1964. Desde então o trabalhismo nacionalista getuliano, hoje
configurando-se como uma espécie de memória udigrudi, não
mais conseguiu chegar ao poder.
Se essa mensagem contém uma
verdade histórica, trata-se então
de uma verdade que não persuade, porque cerceada diuturnamente mesmo sob a vigência da
democracia.
Vitória na Derrota - A morte de
Getúlio Vargas
Autor: Ronaldo Conde Aguiar
Editora: Casa da Palavra
Quanto: R$39,90 (272 págs.)
Um Tiro no Coração
Autor: Hélio Silva
Editora: L&PM
Quanto: R$ 48 (356 págs.)
Getúlio
Autor: Juremir Machado da Silva
Editora: Record
Quanto: R$ 44,90 (434 págs.)
- "1954 - Um Tiro no Coração"
Autor: Hélio Silva
Editora: L&PM
Quanto: R$ 48, 192 págs
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