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CECILIA GIANNETTI
Onze garçons e um segredo
É a moda criminosa deste
pré-verão. Fui traída pelos garçons simpáticos, pelo gerente galanteador
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FUI TRAÍDA. No choque da descoberta, de pacífica espectadora de um documentário na
televisão fui ao clichê da mulher dramática passada para trás. Rodrigueana, fiz voar objetos pela casa.
Bem, um só e sem intenção. Joguei o controle remoto da TV no sofá, ele quicou e, espatifado no chão,
exibiu desavergonhadamente -tudo naquele dia terrível era desavergonhado! - suas entranhas eletrônicas.
Traída. E tudo esteve bem debaixo
do meu nariz durante uma semana.
Recusei-me a ver.
Esquecido dentro da minha bolsa,
o extrato da conta corrente do banco, quando parei de ignorá-lo, me revelou: farras na zona norte, noitadas
na zona oeste, roupas caras, lojas de
estranhos acessórios. Tudo somando quase R$ 6.000 debitados em
meu cartão.
Meu cartão foi clonado -é a moda
criminosa deste pré-verão carioca,
garante uma amiga advogada.
Mas não é nisso que consiste a
traição. A infidelidade -e é aí que
me dói- é que o cartão foi clonado
no meu bar.
O bar onde leio jornal quando
acordo tarde no domingo, que cura
minhas gripes com caldinho de feijão e pimenta, onde já ouvi Moacyr
Luz ao vivo, a capela, alegre de chopes, numa mesa adjacente. Onde
tantas vezes a visão de um casal que
palita os dentes junto, após uma refeição em mudez total, me fez desenvolver teorias sobre a instituição
que começa com "c".
Fui traída pelos garçons simpáticos, pelo gerente galanteador, pelo
caixa entediado. É pior do que se me
vendessem caldinho com cabelo do
saco do feijão.
A advogada me aconselha: "Tá
acontecendo com todo mundo. Depois de alertar o banco e mudar a senha, faz um boletim de ocorrência.
Mas não denuncia o bar. É ninho de
bandido, não arruma confusão com
essa gente".
Lembro uma conversa que não
pude deixar de ouvir na rua: a mulher sacudia uma das mãos no ar e
com a outra segurava o celular, contra o qual gritava que jamais estivera
em Jacarepaguá, muito menos para
comprar pranchas de surfe. Ela falava ao atendente do banco, agora sei,
tentando explicar o rombo em sua
conta.
Ainda bem que eu tinha nas mãos
apenas um controle remoto de TV
quando descobri o roubo na minha:
atirar o celular no chão teria sido outro prejuízo.
Nunca estive numa churrascaria
em Rocha Miranda, jamais fui ao boliche do Norte Shopping nem gastei
mais de R$ 200 em sua choperia.
Não comprei toneladas de equipamentos eletrônicos, nem R$ 1.400
em acessórios esportivos. Não estive
no meu bar às 3h da madrugada do
domingo passado pagando bebida e
petiscos para o que, pelo prejuízo registrado naquela data e hora, com o
nome do estabelecimento no extrato bancário, parece ter sido um batalhão. Os amigos da quadrilha, em
seu QG.
Uma quadrilha de garçons. Tão
elegantes que podiam estrelar "Onze Homens e um Segredo". Seus uniformes preto-e-branco, os sapatos
que imitam couro. Dignos, tão dignos.
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