São Paulo, terça-feira, 04 de setembro de 2007

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CECILIA GIANNETTI

Onze garçons e um segredo


É a moda criminosa deste pré-verão. Fui traída pelos garçons simpáticos, pelo gerente galanteador

FUI TRAÍDA. No choque da descoberta, de pacífica espectadora de um documentário na televisão fui ao clichê da mulher dramática passada para trás. Rodrigueana, fiz voar objetos pela casa.
Bem, um só e sem intenção. Joguei o controle remoto da TV no sofá, ele quicou e, espatifado no chão, exibiu desavergonhadamente -tudo naquele dia terrível era desavergonhado! - suas entranhas eletrônicas.
Traída. E tudo esteve bem debaixo do meu nariz durante uma semana. Recusei-me a ver.
Esquecido dentro da minha bolsa, o extrato da conta corrente do banco, quando parei de ignorá-lo, me revelou: farras na zona norte, noitadas na zona oeste, roupas caras, lojas de estranhos acessórios. Tudo somando quase R$ 6.000 debitados em meu cartão.
Meu cartão foi clonado -é a moda criminosa deste pré-verão carioca, garante uma amiga advogada.
Mas não é nisso que consiste a traição. A infidelidade -e é aí que me dói- é que o cartão foi clonado no meu bar.
O bar onde leio jornal quando acordo tarde no domingo, que cura minhas gripes com caldinho de feijão e pimenta, onde já ouvi Moacyr Luz ao vivo, a capela, alegre de chopes, numa mesa adjacente. Onde tantas vezes a visão de um casal que palita os dentes junto, após uma refeição em mudez total, me fez desenvolver teorias sobre a instituição que começa com "c".
Fui traída pelos garçons simpáticos, pelo gerente galanteador, pelo caixa entediado. É pior do que se me vendessem caldinho com cabelo do saco do feijão.
A advogada me aconselha: "Tá acontecendo com todo mundo. Depois de alertar o banco e mudar a senha, faz um boletim de ocorrência. Mas não denuncia o bar. É ninho de bandido, não arruma confusão com essa gente".
Lembro uma conversa que não pude deixar de ouvir na rua: a mulher sacudia uma das mãos no ar e com a outra segurava o celular, contra o qual gritava que jamais estivera em Jacarepaguá, muito menos para comprar pranchas de surfe. Ela falava ao atendente do banco, agora sei, tentando explicar o rombo em sua conta.
Ainda bem que eu tinha nas mãos apenas um controle remoto de TV quando descobri o roubo na minha: atirar o celular no chão teria sido outro prejuízo.
Nunca estive numa churrascaria em Rocha Miranda, jamais fui ao boliche do Norte Shopping nem gastei mais de R$ 200 em sua choperia. Não comprei toneladas de equipamentos eletrônicos, nem R$ 1.400 em acessórios esportivos. Não estive no meu bar às 3h da madrugada do domingo passado pagando bebida e petiscos para o que, pelo prejuízo registrado naquela data e hora, com o nome do estabelecimento no extrato bancário, parece ter sido um batalhão. Os amigos da quadrilha, em seu QG.
Uma quadrilha de garçons. Tão elegantes que podiam estrelar "Onze Homens e um Segredo". Seus uniformes preto-e-branco, os sapatos que imitam couro. Dignos, tão dignos.


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