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CRÍTICA ROMANCE
Cuenca narra amores inviáveis em Tóquio
Novo trabalho do escritor carioca é pontuado por elementos fantásticos, da ficção científica e da cultura pop
ALCINO LEITE NETO
EDITOR DA PUBLIFOLHA
O projeto Amores Expressos enviou 17 escritores para
diferentes cidades do mundo, a fim de que vivessem um
mês no exterior e extraíssem
da experiência uma obra de
ficção.
A iniciativa foi cercada de
polêmica, acusada de promover "turismo literário" às
custas da Lei Rouanet. Mas,
até onde se sabe, o financiamento público não ocorreu, e
os primeiros volumes começaram a vir à luz em 2008.
O novo lançamento é o romance "O Único Final Feliz
Para Uma História de Amor É
um Acidente", de João Paulo
Cuenca, 32.
O carioca passou sua temporada em Tóquio e, ciente
das limitações e do artificialismo do projeto, teve a perspicácia de não forjar seu livro
com pretensiosa seriedade.
Criou um romance extravagante e de construção muito livre, pontuada por elementos fantásticos, da ficção
científica e da cultura pop,
como se a experiência do Japão não fosse apenas aquela
feita in loco, mas também
constituída dos vestígios deixados no imaginário por filmes, desenhos animados etc.
Há três histórias de amor
no livro. A primeira é a do assalariado Shunsuke Okuda
pela garçonete romena Iulana. A outra é a da mesma Iulana pela dançarina Kazumi.
A terceira é a do afeto que a
boneca sexual Yoshiko desenvolve por seu dono, o
poeta Atsuo Lagosta Okuda,
controlador de um tentacular
aparato de vigilância (chamado "submarino"), com o
qual segue cada passo de
Shunsuke, seu filho.
Todas as três histórias falam de amores inviáveis,
marcados pelo estranhamento e pela incompatibilidade
-o que garante a unidade do
romance.
ANIMAL DESCONHECIDO
Dado que os corpos (e os
desejos) são desiguais, o ser
amado é sempre um "animal
desconhecido", como se pertencesse a outra espécie, diferente da humana.
Não é possível harmonizar
os corpos exceto na felicidade de um acidente fatal.
Seria este o tema principal
do livro, não houvesse outro,
mais interessante: o do panóptico-submarino do pai,
que, num primeiro nível, age
como bloqueador da autonomia existencial do filho.
Ocorre que o filho é ao
mesmo tempo objeto e sujeito do controle. "Aprendi a vigiar sendo vigiado por meu
pai", diz Shunsuke.
A interiorização da vigilância contribui para ampliar
o aspecto fantasmático da
própria realidade -esta sensação de estar em Tóquio como no fundo de "águas
imundas", onde todos parecem flutuar como espectros.
Como o romance é menos
psicológico do que social, em
certo momento o opressivo
superego vai se materializar
em plena rua, e o sr. Lagosta,
o pai, se transformará num
gigantesco crustáceo, pronto
a destruir Tóquio e sua "multidão juvenil".
"Parecem aliviados: finalmente, pela primeira vez na
sua vida, algo está acontecendo. Algo real!", provoca o
autor.
O real é monstruoso, mas
os monstros também são
reais, parece dizer Cuenca,
que tem ainda um objetivo
perverso: desafiar as artimanhas do narrador realista e
expor a própria maquinação
"panóptica" da ficção.
Labiríntico e ardiloso, "O
Único Final Feliz..." é mais
forte no conjunto que nos detalhes. O escritor, às vezes, se
regozija demais com seus
próprios jogos, perdendo o
chão em situações que não
passam de anedotas ou filosofismos um tanto pueris.
Mas são problemas miúdos e não chegam a desanimar o leitor, que segue com
curiosidade a escrita imaginativa de Cuenca, saltando
de artifício em artifício.
O ÚNICO FINAL FELIZ PARA
UMA HISTÓRIA DE AMOR É
UM ACIDENTE
AUTOR João Paulo Cuenca
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 36,50 (152 págs.)
AVALIAÇÃO bom
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