São Paulo, sábado, 04 de setembro de 2010

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CRÍTICA ENSAIO

Sevcenko cria estudo seminal sobre motim

"A Revolta da Vacina" narra manifestação contra o programa de saneamento do Rio no início do século 20

ANTONIO CELSO FERREIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Publicado originalmente em 1983, na coleção "Tudo é História" da Editora Brasiliense, o livro "A Revolta da Vacina", do historiador Nicolau Sevcenko, alcançou, com o passar dos anos e a crescente recepção do público, o estatuto de ensaio interpretativo seminal sobre um dos mais emblemáticos motins urbanos da história brasileira do século 20, ocorrido em 1904, no Rio de Janeiro.
É, portanto, oportuna e necessária esta reedição da obra pela Cosac Naify, ainda mais na série Ensainhos, que reúne consagrados autores desse gênero de textos.
O ensaio foi escrito como desdobramento de uma pesquisa de maior abrangência sobre a criação cultural de Euclydes da Cunha e Lima Barreto no quadro conflituoso que marcou a passagem da monarquia para a república -da qual resultou a obra "Literatura como Missão".
Em ambos os textos já se salientava o estilo inconfundível do autor, caracterizado tanto pelo manejo preciso e elegante das palavras, quanto pela capacidade de extrair significados das fontes históricas que vão muito além da sua evidência formal.
Na obra ora reeditada, Sevcenko lida com um episódio temporalmente limitado, espontâneo, sinuoso e complexo em suas manifestações: a sublevação popular contra a obrigatoriedade da vacina antivaríola, imposta pelo prefeito Pereira Passos e pelo médico Oswaldo Cruz como parte do programa de saneamento e reforma urbana da capital federal.

EXCLUÍDOS
A decretação dessa medida deflagrou a revolta, que se estendeu por dois meses em batalhas aguerridas por toda a cidade.
Os protagonistas do movimento foram os segmentos socialmente excluídos ou prejudicados pela política econômica liberal do novo regime encabeçado pela elite civil paulista (população negra relegada à própria sorte após a abolição da escravidão, pequenos comerciantes, funcionários públicos).
Duramente reprimido pela polícia e pelo Exército, dele restou um saldo de milhares de mortos e encarcerados.
A história dessa tragédia, narrada em tom de indignação que, todavia, não prejudica sua análise objetiva, é exposta em quatro capítulos nomeados, respectivamente, com termos do vocabulário dramático: ímpeto, angústia, agonia e terror.
Nessa sequência o historiador desnuda magistralmente o cotidiano e os personagens da revolta, suas causas imediatas e estruturais. Para a presente edição, o autor acrescenta um posfácio em que revela as circunstâncias políticas da elaboração da obra: a transição da ditadura militar para os primeiros governos civis na década de 1980, momento que permitia estabelecer paralelos sugestivos com o início da República.
Momento de sonhos, mas também de desencantos, igualmente marcado pelo descaso com as classes populares, que de modo semelhante ao início do século, anunciava, segundo o autor, a "guinada sistemática para o conservadorismo de uma classe política retrógrada que não admite mudanças, muito menos sonhos".

ANTONIO CELSO FERREIRA é professor de história da Unesp


A REVOLTA DA VACINA

AUTOR Nicolau Sevcenko
EDITORA Cosac Naify
QUANTO R$ 37 ( 144 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo




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