São Paulo, Sábado, 04 de Setembro de 1999
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Um pensador sombrio e luminoso

da Reportagem Local

Freud detestava ser visto como filósofo. Sempre inscreveu a psicanálise nas fronteiras da medicina e via a si mesmo como um cientista. Dentro de sua vasta produção (reunida em 23 volumes), na obra que julgava ser a sua "mais significativa" -"A Interpretação dos Sonhos" (1900)- afirmou: "Podemos, talvez, começar a suspeitar que a interpretação dos sonhos é capaz de nos proporcionar informações a respeito da estrutura do nosso aparelho psíquico, o que até agora esperávamos, em vão, da filosofia".
O livro foi, de início, um fiasco. Vendeu apenas 351 exemplares em seis anos. Ao concluí-lo, porém, Freud já tinha em mãos as pedras fundamentais da teoria psicanalítica: a ocorrência de processos inconscientes em indivíduos considerados normais, a função determinante do desejo na economia psíquica e o alcance do fenômeno da repressão.
Em carta ao amigo Fliess, datada de 1899, profetizava dizendo que "uma teoria da sexualidade pode vir a ser o sucessor do livro dos sonhos". Seus "Três Ensaios sobre a Sexualidade" surgiram em 1905. Estava lá a idéia de que o desenvolvimento do desejo passa por fases definidas e que a neurose corresponde à fixação numa fase que o indivíduo não superou.
Como diz o historiador Peter Gay, "por mais de três decênios, Freud iria remodelar seu mapa da mente, refinar a técnica psicanalítica, rever suas teorias das pulsões, da angústia e da sexualidade feminina, e invadir a história da arte, a antropologia especulativa, a psicologia da religião e a crítica da cultura". Os alicerces da psicanálise, no entanto, já estavam estabelecidos entre 1900 e 1905.
Resultavam de uma investigação que havia começado 20 anos antes, com o interesse pelo estudo da histeria e o uso da hipnose como forma de seu tratamento, aprendida no contato com Jean-Martin Charcot e Josef Breuer.
Nascido em 1856, em Freiberg, no então Império Austro-Húngaro, hoje na República Tcheca, Freud mudou-se para Viena com 3 anos de idade. Só sairia de lá fugindo do nazismo, um ano antes de morrer em Londres, em 1939, aos 83 anos, vítima de câncer.
Em 1920, com a publicação de "Além do Princípio do Prazer", Freud introduz na psicanálise a noção de "pulsão de morte", que se manifestaria no sadismo e no desejo de aniquilamento (de um retorno ao estado inanimado).
Idéia sombria e até hoje controversa mesmo entre psicanalistas, ela marca a última virada teórica de uma obra sob todos os aspectos desconcertante. O autor do "Mal-Estar na Civilização" (1930) deixa um legado muito maior, ao mesmo tempo luminoso e sombrio, do que o do cientista que gostaria de ter sido e que hoje é tão contestado. Difícil negar-lhe o título de pensador do século. (FERNANDO DE BARROS E SILVA)


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