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Um pensador sombrio e luminoso
da Reportagem Local
Freud detestava ser visto como
filósofo. Sempre inscreveu a psicanálise nas fronteiras da medicina e via a si mesmo como um
cientista. Dentro de sua vasta produção (reunida em 23 volumes),
na obra que julgava ser a sua
"mais significativa" -"A Interpretação dos Sonhos" (1900)-
afirmou: "Podemos, talvez, começar a suspeitar que a interpretação dos sonhos é capaz de nos
proporcionar informações a respeito da estrutura do nosso aparelho psíquico, o que até agora esperávamos, em vão, da filosofia".
O livro foi, de início, um fiasco.
Vendeu apenas 351 exemplares
em seis anos. Ao concluí-lo, porém, Freud já tinha em mãos as
pedras fundamentais da teoria
psicanalítica: a ocorrência de processos inconscientes em indivíduos considerados normais, a
função determinante do desejo na
economia psíquica e o alcance do
fenômeno da repressão.
Em carta ao amigo Fliess, datada de 1899, profetizava dizendo
que "uma teoria da sexualidade
pode vir a ser o sucessor do livro
dos sonhos". Seus "Três Ensaios
sobre a Sexualidade" surgiram
em 1905. Estava lá a idéia de que o
desenvolvimento do desejo passa
por fases definidas e que a neurose corresponde à fixação numa fase que o indivíduo não superou.
Como diz o historiador Peter
Gay, "por mais de três decênios,
Freud iria remodelar seu mapa da
mente, refinar a técnica psicanalítica, rever suas teorias das pulsões, da angústia e da sexualidade
feminina, e invadir a história da
arte, a antropologia especulativa,
a psicologia da religião e a crítica
da cultura". Os alicerces da psicanálise, no entanto, já estavam estabelecidos entre 1900 e 1905.
Resultavam de uma investigação que havia começado 20 anos
antes, com o interesse pelo estudo
da histeria e o uso da hipnose como forma de seu tratamento,
aprendida no contato com Jean-Martin Charcot e Josef Breuer.
Nascido em 1856, em Freiberg,
no então Império Austro-Húngaro, hoje na República Tcheca,
Freud mudou-se para Viena com
3 anos de idade. Só sairia de lá fugindo do nazismo, um ano antes
de morrer em Londres, em 1939,
aos 83 anos, vítima de câncer.
Em 1920, com a publicação de
"Além do Princípio do Prazer",
Freud introduz na psicanálise a
noção de "pulsão de morte", que
se manifestaria no sadismo e no
desejo de aniquilamento (de um
retorno ao estado inanimado).
Idéia sombria e até hoje controversa mesmo entre psicanalistas,
ela marca a última virada teórica
de uma obra sob todos os aspectos desconcertante. O autor do
"Mal-Estar na Civilização" (1930)
deixa um legado muito maior, ao
mesmo tempo luminoso e sombrio, do que o do cientista que
gostaria de ter sido e que hoje é
tão contestado. Difícil negar-lhe o
título de pensador do século.
(FERNANDO DE BARROS E SILVA)
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