São Paulo, Sábado, 04 de Setembro de 1999
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FREUD
Exposições paralelas traçam relações entre o movimento cultural e a história do freudismo no Brasil
Mostra liga psicanálise e modernismo

da Reportagem Local

A exposição "Freud: Conflito & Cultura", que chega a São Paulo em setembro do ano que vem, será acompanhada de duas mostras paralelas e simultâneas, uma sobre a história do freudismo e da psicanálise no Brasil e outra sobre as relações do movimento modernista brasileiro com a psicanálise e seu fundador, Sigmund Freud (1856-1939).
As duas exposições paralelas na verdade se cruzam -e por várias razões. A começar por uma, fundamental: Durval Marcondes (1899-1981), considerado o precursor da psicanálise no Brasil, chegou a colaborar com a revista "Klaxon", o "mensário de arte moderna", como se chamava, em torno do qual se reuniu a elite do movimento modernista em São Paulo, a turma da Semana de 22.
Em agosto de 22, Marcondes publica o poema "Symphonia em Branco e Preto", num número de "Klaxon" em que também comparecem o escritor Mário de Andrade e o historiador Sérgio Buarque de Holanda, entre outros.
"A relação entre a psicanálise e o modernismo é mais intensa do que comumente se pensa", diz o crítico de arte Olívio Tavares de Araújo, um dos curadores, ao lado do psicanalista Leopold Nosek, das mostras brasileiras.
Ele cita até aspectos pitorescos dessa relação, como o fato de o escritor Oswald de Andrade ter ele mesmo improvisado o seu consultório de psicanálise e "analisado" alguns de seus amigos. Sabe-se, além disso, que Freud é citado no "Manifesto Antropófago", publicado no número inaugural da "Revista de Antropofagia", em maio de 1928, por Oswald.
Alguns elos da psicanálise com o modernismo estão retratados no livro "Álbum de Família: Imagens, Fontes e Idéias da Psicanálise em São Paulo", obra coletiva editada por Leopold Nosek e publicada em 1994 pela Casa do Psicólogo e a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.

"Pansexualismo"
Há histórias curiosas no livro. O médico Francisco Franco da Rocha (1864-1933), idealizador e fundador do Hospital Psiquiátrico do Juqueri, foi o primeiro a falar em psicanálise na Faculdade de Medicina de São Paulo. Sua aula inaugural, em 1919, versava sobre a "Doutrina de Freud".
No ano seguinte, Franco da Rocha publica um livro chamado "A Doutrina Pansexualista de Freud". Estimulado anos depois por seu ex-aluno Durval Marcondes, Franco da Rocha reedita a obra em 1930, mas abole o "pansexualista" do título, pressionado pelo ambiente médico da época.
Marcondes funda a Sociedade Brasileira de Psicanálise em 1927. Chega a se corresponder com Freud que, em novembro de 1926, lhe envia a primeira carta: "Meu prezado senhor", escreve Freud, "infelizmente não domino o seu idioma, mas, graças aos meus conhecimentos da língua espanhola, pude deduzir que (...) sua intenção é aproveitar os conhecimentos adquiridos em Psicanálise nas belas letras, e, de modo geral, despertar o interesse de seus compatriotas por nossa ciência". Espantado com essa gentileza inusitada, Marcondes escreve: "Minha intenção era dar apenas a Freud que, para mim, não poderia entender nada do meu idioma, a noção de que, num lugar tão distante da civilização européia, cheio de índios e serpentes, havia alguém que ousava se interessar pela "nossa jovem ciência'".
(FBS)


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