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NEOLIBERALISMO EM ROMANCE
Argentina também foi modelo para o país-ditadura criado por Steven Lukes
Militária é inspirado no Brasil de 1976
especial para a Folha
Leia, a seguir, a continuação da
entrevista concedida à Folha pelo
escritor britânico Steven Lukes.
Lukes, 56, autor do livro "A Curiosa Iluminação do Professor Caritat - Uma Comédia de Idéias",
que a editora Revan lança agora no
Brasil, fala sobre ditaduras latino-americanas, separatismo, socialismo e outros "ismos" atuais.
(MARCELO RUBENS PAIVA)
Folha - Militária, o país-ditadura,
é inspirado nas ditaduras latino-americanas?
Steven Lukes - Passei alguns
dias terríveis na Argentina. Era o
verão de 76. Visitei o Brasil depois.
Militária é o que vi nesses dois países. Tanto que usei o símbolo da
repressão argentina, o carro Ford
Falcon.
Folha - Em sua opinião, existe alguma Militária, hoje em dia?
Lukes - Aspectos de Militária
estão espalhados em novas e velhas ditaduras, como nos antigos
países socialistas do Leste Europeu
e como atualmente em Burma: a
batida na porta no meio da noite, a
falta de justificativa ou motivo para te levarem preso.
Folha - Utilitária representa a social-democracia com movimentos
separatistas, como Espanha ou Irlanda?
Lukes - Utilitária é o lugar onde, para se atingir o bem-estar social, são criadas regras com extremo fanatismo. A existência de separatistas não é essencial, apesar
da obsessão deles pelo passado.
Mas a filosofia do bem-estar leva
a loucuras, como as acusações
atuais sobre o governo sueco, de
ter esterilizado mulheres deficientes. E isso é um caso verídico, não
uma sátira.
Folha - Qual a razão do separatismo em países desenvolvidos?
Lukes - Identidades baseadas
no passado são um refúgio contra
as pressões da modernidade.
Folha - No livro, Proletária está
esmagado entre dois países. Parece um cantão suíço. O comunismo
se resume a isso?
Lukes - Proletária é fisicamente
pequena, mas um sonho pode
ocupar o espaço que se quiser. Isso
me lembrou uma antiga piada russa. "O socialismo pode ser construído na Suíça?" "Sim, camarada, mas para quê?"
Folha - O retrato de Libertária, o
país neoliberal, é cruel. Filas de desempregados, sem-teto, mendigos. O desemprego e a exclusão
social são inerentes ao neoliberal?
Lukes - Libertária é um Estado
de livre concorrência ao extremo.
Num lugar desses, por que alguém
deveria se preocupar se existe ou
não emprego para todos?
"Um pessimista
é um otimista
bem informado, e
eu sou apenas
moderadamente
bem informado"
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Folha - No final, o personagem
central chega a uma montanha
com vários caminhos. Qual é o próximo passo?
Lukes - No final, o herói percebe que, colhendo as experiências
do seu passado, não existe muita
esperança no futuro.
Folha - Existe a "sociedade
ideal" pensada por Kant?
Lukes - É uma boa pergunta. E
é o que meu personagem se pergunta todo o tempo. Se ele não sabe responder, por que eu saberia?
Folha - O sr. é um pessimista?
Lukes - Pessimista? Um pessimista é um otimista bem informado, e eu sou apenas moderadamente bem informado.
Folha - O sr. é adepto da teoria
do "Fim da História", do historiador Francis Fukuyama?
Lukes - Uma vez escrevi uma
crítica sobre o livro dele. Eu dizia
que a idéia de fim de história era
melhor do que eu temia e as pessoas diziam. Na sua tese, Fukuyama afirma que o capitalismo liberal-democrático é, em termos
simples, o sistema ideal.
Eu sou, desde o começo, relutante à sua euforia. Mas capitalismo liberal ainda não existe. As
ameaças globais, como desemprego, pobreza e desigualdade, não
mudaram. Sem mencionar a ascensão de nacionalismos e de ditaduras religiosas. Nada será o fim
de qualquer coisa.
Folha - Em qual dos países que
inventou o sr. moraria?
Lukes - Continuaria a viver na
Itália, que eu chamaria de Ilusária,
um país onde nada é como se parece aos visitantes, mesmo aos visitantes residentes.
Folha - Qual é o ideário da nova
esquerda?
Lukes - As idéias da esquerda
são sólidas e estão sempre se renovando. A derrocada do comunismo é um desafio maravilhoso para
se repensar, assim como a crise
dos países social-democratas.
Folha - O sr. é ou foi socialista ou
marxista?
Lukes - Não acredito que já tenha usado a palavra "marxista"
para descrever minhas opiniões
ou meu jeito de ser. Também nunca usei o termo "liberal".
Socialista soa melhor, mas não
gosto deste tipo de classificação,
especialmente quando se olham os
terríveis desastres históricos gerados por estas classificações.
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