São Paulo, sábado, 4 de outubro de 1997.




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MÚSICA ERUDITA
Maestro catalão e virtuose da viola de gamba se apresenta em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Curitiba, com o grupo Hespèrion XX
Savall toca mitologia e humanismo musical

IRINEU FRANCO PERPETUO
especial para a Folha

O músico catalão Jordi Savall, 53, apresenta-se em São Paulo em 22 de outubro, no Cultura Artística.
Savall, que também toca no Rio (dia 23) e em Curitiba (dia 25), é, além de maestro, um virtuose da viola de gamba -a viola renascentista, que leva este nome ("viola de perna") por ser apoiada entre as pernas do executante.
Regente do conjunto vocal La Capella Reial de Catalunya e da orquestra Le Concert des Nations, Savall traz nessa turnê o mesmo grupo que o acompanhou ao Brasil em 95 -o Hespèrion XX, em que brilha sua esposa, a soprano Montserrat Figueras, ao lado de quatro cantores e um pequeno conjunto instrumental.
Em São Paulo e no Rio, o grupo interpreta um programa intitulado "Música e Mitologia", com obras de Monteverdi, Luigi Rossi e Tarquino Merula, entre outros autores do período entre 1580-1650 que trabalharam com textos baseados em temas mitológicos.
Já Curitiba assiste "O Humanismo Musical", uma contraposição à mitologia que vai do século 14 até 1580 e complementa o outro programa, com obras de Juan del Encina, Mateo Flecha e vários autores anônimos.
Savall falou com exclusividade à Folha, por telefone, de sua casa, em Barcelona (Espanha).

Folha - Como o sr. divide o tempo entre a carreira de regente e a de solista?
Jordi Savall -
Procurando não fazer as duas coisas ao mesmo tempo (risos). Neste mês, tenho várias atividades, como solista e como regente. Cada mês é realizado de acordo com um plano, no qual procuro, entre os cem concertos que fazemos por ano, cobrir os diferentes campos que me interessam divulgar ao público.
Folha - Sua gravadora, a Auvidis, criou um selo novo chamado Fontalis. Qual sua participação nele?
Savall -
É um projeto que criei e propus à Auvidis para dar coerência à nossa produção de quase 80 discos, que ficavam diluídos dentro da enorme quantidade de lançamentos do selo Astrée.
Folha - O sr. também atua como produtor?
Savall -
Sou um pouco produtor de meus discos, no sentido de que praticamente todo o projeto musical cai em minhas mãos -desde a busca do programa até a edição do disco. Mas é sempre a Auvidis que edita o disco.
Folha - Quais seus novos projetos de gravação?
Savall -
Além da trilha do filme "O Marquês", há um projeto de música francesa do século 17 e "The Fairy Queen", de Purcell.
Folha - O sr. gravou a "Sinfonia nº 3", de Beethoven. Há planos de fazer outras coisas do compositor?
Savall -
Sim, mas para 98 e 99.
Folha - Que leitura um músico que sempre trabalhou com a música medieval e barroca pode trazer para a música do século 19?
Savall -
Ler a partitura e realmente buscar, independentemente da tradição atual, a idéia que o compositor teve desta música.
Folha - A interpretação tradicional está muito distante das idéias originais de Beethoven?
Savall -
Certamente, porque o peso de tantos anos de tradição modificou muitos parâmetros.
Folha - O que é possível recuperar dessas idéias originais?
Savall -
Uma ampla visão das cores da orquestra, que eram muito mais variadas. Flautas, clarinetes e oboés eram de madeira, os instrumentos de metal tinham um som mais interessante, que se mesclava melhor com os instrumentos de corda -os quais, por sua vez, tinham cordas de tripa e utilizavam os arcos e cores que os compositores haviam imaginado.
Dizem hoje que, se Bach tivesse conhecido o piano moderno, o teria preferido em relação ao cravo. Isso tem um aspecto de verdade, mas também um aspecto demagógico.
Se Bach tivesse conhecido o piano, talvez tivesse composto uma música mais próxima da de Beethoven do que da sua própria.



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