São Paulo, Segunda-feira, 04 de Outubro de 1999
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FERNANDO GABEIRA

Tokaimura é sinal amarelo para Angra 1

Foi pura coincidência, mas na semana em que aconteceu o desastre nuclear em Tokaimura, no Japão, houve dois debates sobre a segurança da usina nuclear Angra 1. A sensação que esses debates, um no Rio, outro em Brasília, deixaram é que a usina, se fossemos rigorosos com o nuclear como João Gilberto é com o som, deveria ser desligada por um tempo.
Os problemas vieram à luz quando o cientista Luis Pinguelli Rosa resolveu tornar pública uma denúncia que recebeu da própria usina, relatando três tipos de problemas sérios. Em função disso, foi aberto um inquérito na procuradoria e formada uma comissão de quatro peritos que apresentará seu parecer em breve.
O que há com a usina de Angra? A pergunta foi lançada, em primeiro lugar, por causa dos desligamentos automáticos do primeiro trimestre deste ano. Foram seis vezes em que o sistema desarmou por questão de segurança.
Um otimista diria: tudo bem, isso mostra que, sempre que necessário, o dispositivo funciona.
Um observador cauteloso, no entanto, deve perguntar: por que tantos desarmes num só trimestre, se em outros países isso acontece, em média, duas vezes por ano? Alguma coisa está errada, mas o diagnóstico só virá quando surgirem as causas dos desarmes.
O segundo problema é o gerador a vapor, que está com um nível de corrosão próximo dos 9%, sendo que o máximo aconselhável é de 18%. As pessoas dizem: ainda está pela metade, há tempo. Acontece que Pinguelli levanta a hipótese de que o processo não é linear, nada nos garantiria que o tempo será o mesmo para a etapa final do desgaste.
Os funcionários de Angra 1 têm respondido com competência a todas essas questões, afirmando até que podem renovar o gerador antes de trocá-lo. Mas será que dá para reformar um gerador a vapor com êxito? Há dúvidas.
O terceiro problema é a disposição da usina de utilizar um combustível da Siemens já usado e que apresentou defeitos. Essa denúncia não será investigada pelos peritos, mas sim pela Comissão Nacional da Energia Nuclear, que pode bloquear o processo.
Existem ainda mais dois problemas em Angra. O primeiro é o bug do milênio. O Greenpeace me mandou um material enfatizando os problemas de adaptação de usinas nucleares ao bug . Pedi informações, e a empresa me respondeu por escrito que está tudo bem. Ela foi integrada à experiência internacional e contratou uma empresa brasileira para auditar o processo de adaptação. Por via das dúvidas, enviarei a resposta para técnicos no exterior, pois não tenho como avaliar se a preparação foi adequada.
Finalmente há o problema crônico da BR-101, sobretudo no trecho entre a Angra 1 e Parati. Há muitos deslizamentos durante as chuvas de verão. Várias vezes fomos ao Ministério dos Transportes e à Secretaria de Assuntos Estratégicos reclamar da estrada.
Cheguei até a ameaçar enviar uma denúncia para Viena, uma vez que a precariedade da única estrada que serve à usina pode ser trágica, em caso de acidente e retirada da população.
Aliás iam fazer um exercício de retirada da população. Formamos uma comissão para avaliar o trabalho, e o exercício foi suspenso. Nunca mais deram notícia.
São inúmeros problemas que, no conjunto, formam um quadro de sobreaviso, uma espécie de sinal amarelo para todos os que se interessam pela segurança da usina. Não iria falar desse assunto. A imprensa mostrou um relativo desinteresse pelos debates na procuradoria do Rio e na Câmara.
Com o desastre de Tokaimura, creio que se abriu pelo menos um pequeno crédito de confiança, para que viéssemos falar desses temas que a maioria considera muito chatos. O que fazer? Pelo menos, fique consignado que resolvi o assunto numa segunda-feira de outubro. Se você disser que eu desafino, amor... Da minha parte, não vou sair do palco, mas continuarei dizendo que algo não soa bem em Angra 1.


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