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FERNANDO GABEIRA
Tokaimura é sinal amarelo para Angra 1
Foi pura coincidência, mas na
semana em que aconteceu o desastre nuclear em Tokaimura, no
Japão, houve dois debates sobre a
segurança da usina nuclear Angra 1. A sensação que esses debates, um no Rio, outro em Brasília,
deixaram é que a usina, se fossemos rigorosos com o nuclear como
João Gilberto é com o som, deveria ser desligada por um tempo.
Os problemas vieram à luz
quando o cientista Luis Pinguelli
Rosa resolveu tornar pública uma
denúncia que recebeu da própria
usina, relatando três tipos de problemas sérios. Em função disso,
foi aberto um inquérito na procuradoria e formada uma comissão
de quatro peritos que apresentará
seu parecer em breve.
O que há com a usina de Angra?
A pergunta foi lançada, em primeiro lugar, por causa dos desligamentos automáticos do primeiro trimestre deste ano. Foram seis
vezes em que o sistema desarmou
por questão de segurança.
Um otimista diria: tudo bem, isso mostra que, sempre que necessário, o dispositivo funciona.
Um observador cauteloso, no
entanto, deve perguntar: por que
tantos desarmes num só trimestre, se em outros países isso acontece, em média, duas vezes por
ano? Alguma coisa está errada,
mas o diagnóstico só virá quando
surgirem as causas dos desarmes.
O segundo problema é o gerador a vapor, que está com um nível de corrosão próximo dos 9%,
sendo que o máximo aconselhável é de 18%. As pessoas dizem:
ainda está pela metade, há tempo. Acontece que Pinguelli levanta a hipótese de que o processo
não é linear, nada nos garantiria
que o tempo será o mesmo para a
etapa final do desgaste.
Os funcionários de Angra 1 têm
respondido com competência a
todas essas questões, afirmando
até que podem renovar o gerador
antes de trocá-lo. Mas será que dá
para reformar um gerador a vapor com êxito? Há dúvidas.
O terceiro problema é a disposição da usina de utilizar um combustível da Siemens já usado e
que apresentou defeitos. Essa denúncia não será investigada pelos
peritos, mas sim pela Comissão
Nacional da Energia Nuclear,
que pode bloquear o processo.
Existem ainda mais dois problemas em Angra. O primeiro é o
bug do milênio. O Greenpeace me
mandou um material enfatizando os problemas de adaptação de
usinas nucleares ao bug . Pedi informações, e a empresa me respondeu por escrito que está tudo
bem. Ela foi integrada à experiência internacional e contratou
uma empresa brasileira para auditar o processo de adaptação.
Por via das dúvidas, enviarei a
resposta para técnicos no exterior, pois não tenho como avaliar
se a preparação foi adequada.
Finalmente há o problema crônico da BR-101, sobretudo no trecho entre a Angra 1 e Parati. Há
muitos deslizamentos durante as
chuvas de verão. Várias vezes fomos ao Ministério dos Transportes e à Secretaria de Assuntos Estratégicos reclamar da estrada.
Cheguei até a ameaçar enviar
uma denúncia para Viena, uma
vez que a precariedade da única
estrada que serve à usina pode ser
trágica, em caso de acidente e retirada da população.
Aliás iam fazer um exercício de
retirada da população. Formamos uma comissão para avaliar o
trabalho, e o exercício foi suspenso. Nunca mais deram notícia.
São inúmeros problemas que,
no conjunto, formam um quadro
de sobreaviso, uma espécie de sinal amarelo para todos os que se
interessam pela segurança da usina. Não iria falar desse assunto. A
imprensa mostrou um relativo
desinteresse pelos debates na procuradoria do Rio e na Câmara.
Com o desastre de Tokaimura,
creio que se abriu pelo menos um
pequeno crédito de confiança, para que viéssemos falar desses temas que a maioria considera
muito chatos. O que fazer? Pelo
menos, fique consignado que resolvi o assunto numa segunda-feira de outubro. Se você disser
que eu desafino, amor... Da minha parte, não vou sair do palco,
mas continuarei dizendo que algo não soa bem em Angra 1.
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