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ARTES PLÁSTICAS
Bienal em cartaz até 7 de novembro revê obras conhecidas e revela nomes para a cena contemporânea
Liverpool dá novas leituras para a arte
CELSO FIORAVANTE
enviado especial a Liverpool
Apesar de ser ainda uma recém-nascida, a Bienal de Liverpool já
demonstra em sua primeira edição que pode dar passos largos e
firmes no terreno da arte contemporânea.
Bem organizada, ocupando espaços públicos alheios à arte e curada com pertinência e sem arrogância por Anthony Bond, a Bienal de Liverpool mostrou-se jovial e inteligente. Mesmo obras
vistas com certa frequência foram
bem apresentadas e ganharam
um brilho novo.
Destaques
A colombiana Doris Salcedo
tem seus trabalhos apresentados
na gigantesca catedral presbiteriana da cidade. O clima majestoso do espaço enriqueceu ainda
mais suas solenes esculturas.
Salcedo cria esculturas com móveis que se interpenetram: armários dividem o mesmo espaço
com uma cama, cadeiras entram
no armário. Salcedo realiza essa
simbiose com o uso de grandes
massas de cimento, nas quais insere ainda ossos e roupas, como
se buscasse sepultar para assim
preservar a memória.
A artista não nega sua origem
colombiana e sua afeição pelo
realismo fantástico, que marca a
cultura de seu país. Basta olhar
para suas esculturas para que o
pensamento crie imagens ficcionais insólitas, como a do amante
que encerra sua amada (ou vice-versa) no armário, o diálogo entre
móveis, a escultura que fala.
Luis Camnitzer também foi feliz. Localizada no subsolo do espaço Exchange Flags, a instalação
"The Waiting Room" remete aos
porões da ditadura no Uruguai
nos anos 70 e 80. São objetos dispersos aleatoriamente pelo chão,
representações da liberdade de
escolha do artista e do sonho de liberdade do preso político. Instalada no cubo branco de um museu ou galeria, a obra perderia sua
força.
Gritante também foi a força e o
estranhamento gerados pela obra
de Nicola Costantino, que apresentou suas roupas de silicone
com estampas que reproduzem
partes do corpo humano, como
mamilo, umbigos e ânus. Suas
obras foram apresentadas em
duas vitrines da loja de departamentos Harry's, a maior da cidade. Na 24ª Bienal de São Paulo, o
mesmo trabalho era apresentado
como peça de museu, enclausurado em uma caixa de acrílico.
Nem é preciso dizer que o interesse despertado no público de
Liverpool é muito maior.
Os três artistas estão na mostra
"Trace", a principal do evento,
para a qual o curador Bond selecionou 61 artistas de 24 países.
Brasileiros
A mesma mostra traz trabalhos
de cinco brasileiros: Ernesto Neto,
Adriana Varejão, Vik Muniz, Rivane Neuenschwander e Miguel
Rio Branco.
Neto ocupou toda uma sala no
hall da Tate Gallery local com a escultura "Densidades e Buracos de
Minhoca", realizada em tecido de
lycra pontuado por dezenas de
bolsas cheias de açafrão, pimenta
preta, curry e cravo em pó, que
envolvem o espectador em vários
sentidos. Trata-se de uma evolução no trabalho de Neto, que ganha força a partir das formas e
composições cromáticas mais
elegantes e elaboradas.
Vik Muniz foi outro que teve
bastante destaque, principalmente institucional, já que, apesar de
ter apresentado trabalhos já vistos
em várias ocasiões anteriores, como as fotografias de crianças realizadas com açúcar ou com restos
de Carnaval, as obras do artista
ilustraram a capa de dois dos encartes informativos da mostra.
Embora seja sua primeira edição, a Bienal de Liverpool já conta
com uma certa aura. Parece ter
havido um esforço coletivo em
mostrar o melhor da produção de
cada artista.
Adriana Varejão apresentou
trabalhos que demonstram evolução no domínio técnico em sua
pintura. São três grandes telas
com motivos da azulejaria portuguesa e espanhola colonial, sob os
quais se revelam entranhas absolutamente verossímeis, como se a
artista quisesse revelar um passado sangrento e violento. Esse "detalhe" lembra as "cracas" de Nuno Ramos, que parecem ter voltado à vida na pintura de Varejão.
Surpresas
Liverpool, porém, não ficou no
"déjà vu", reservando boas surpresas, como as fotografias de
Maruch Sántiz Gómez, uma jovem indígena (nasceu em 1975)
da região de Chiapas, que só começou a fotografar em 1993. Maruch reinterpreta as tradições locais, transformando-as e enriquecendo-as com poesia e dados pessoais. São fotografias em preto-e-branco de objetos, animais e cenas do cotidiano que Maruch
acompanha de textos sobre crenças e costumes populares.
Na sua frente, estão as pinturas
bordadas do também mexicano
Carlos Arias, que trabalha com
questões como a repetitividade
do trabalho manual em contraposição ao processo de produção da
obra de arte.
Outro nome que começa a despertar atenção e que estava em Liverpool é o austríaco Erwin
Wurm, que apresentou suas "One
Minute Sculpture" (vídeos, desenhos ilustrativos e objetos reminescentes de performances meteóricas), se bem que basta um
olhar mais atento para se perceber suas remissões a Yves Klein e
ao trabalho dos novo realistas
franceses, que propunham uma
nova relação da arte com o cotidiano e uma nova representação
-mais direta e imediata- dele
pela arte.
Força jovem britânica
Os britânicos mostraram que a
arte produzida na ilha não parou
na mostra "Sensation", atualmente em cartaz no Museu do
Brooklin, em Nova York. Dois
segmentos da Bienal de Liverpool
dedicados à arte britânica mostram que ela tem bala na agulha.
"Newcontemporaries 99" é o resultado de uma pesquisa de campo entre jovens artistas recém-saídos ou ainda cursando escolas
de arte no país.
Entre os destaques da mostra
estão o vídeo "Going Down", em
que Julie Henry posicionou frente
a frente dois grandes monitores
com cenas das reações de torcidas
de futebol, e as "adobe dolls" (bonecas de adobe) de Stefanie Marshall, realizadas com trapos, cabelos, cascas de banana e terra.
A tradição da pintura foi bem
representada na mostra "John
Moore", que leva o nome do mais
prestigioso prêmio local destinado exclusivamente a essa técnica.
Este ano, o prêmio maior (25
mil libras) foi para uma paisagem
de Michael Raedecker, em que o
autor concilia técnicas como pintura, colagem e bordado.
Casais
Um dos eventos paralelos da
Bienal de Liverpool foi a mostra
"Art Lovers", curada por Márcia
Fortes, colaboradora da Folha.
Fortes reuniu casais de artistas e
pediu para que criassem obras em
comum, tarefa um tanto quanto
complicada já que dificilmente a
produção artística se abre a esse
tipo de romantismo.
Entre os artistas escolhidos estavam os brasileiros Jac Leirner e
José Resende, Maurício Ruiz e
Aimberê César, Daniel Senise e
Courtney Smith, e Ricardo de Oliveira e a sueca Fia Backstrom.
Um dos bons resultados da
mostra é o vídeo "Always New,
Always Familiar", de Janine Antoni e Paul Ramirez-Jonas.
O vídeo reúne em uma mesma
tela dois tipos de imagens: o movimento da água do mar causado
pelo deslocamento de um barco a
motor (gravada por Ramirez-Jonas) e a água do mar desfocada
vista a partir do barco (feita por
Janine Antoni). O vídeo deverá
ser exibido no Brasil em dezembro. A Bienal de Liverpool prossegue até o dia 7 de novembro.
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