São Paulo, quarta-feira, 04 de outubro de 2000

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Abril Music está competitiva na indústria, enquanto a Trama ganha prestígio artístico
Dois anos após sua criação, empresas de capital local avançam e enfrentam boatos sobre venda
Gravadoras nacionais peitam mercado fonográfico

Ed Viggiani/Folha Imagem
Os dois co-presidentes da Trama, André Szajman e João Marcello Bôscoli, na sede da gravadora, em SP, com vídeo de Otto ao fundo


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Há dois anos, o mercado fonográfico multinacional no Brasil ganhou duas concorrentes de contramão, estritamente nacionais. Abril Music e Trama, sediadas em São Paulo, abriram portas ainda pequenas, mas adotando discursos ambiciosos.
Passados dois anos, é quantificável o avanço de ambas -a Abril buscando principalmente competitividade mercadológica, e a Trama conquistando prestígio mais artístico que comercial.
A Trama, custeada pelo Grupo VR (Vale-Refeição), aposta na revelação de novos nomes e na sofisticação artística sem concessões, desenvolve tecnologia própria em MP3 (um dos maiores fantasmas atuais para a indústria convencional). Ainda dá prejuízo.
Segundo seus jovens dirigentes, os colegas de escola André Szajman (filho de Abram Szajman, que, entre outros, preside conselhos do Sesc, Senac e Grupo VR), 29, e João Marcello Bôscoli (filho de Elis Regina e Ronaldo Bôscoli), 29, o investimento total até agora foi de R$ 15 milhões. O faturamento, de R$ 10 milhões.
"Temos um plano operacional que prevê prejuízo até 2002. E é até um plano conservador", explica Bôscoli, protegido pelo formidável elenco de cerca de 60 artistas abrigados pela Trama.
Mais afinado com as convenções do mercado (reúne por volta de 20 artistas), o presidente da Abril, Marcos Maynard (ex-homem forte da era RPM da CBS e da era axé da PolyGram), 50, afirma que a gravadora já ostenta lucro -quanto, ele omite.
"Já faturamos R$ 35 milhões em 2000, e temos 7% de participação no mercado", diz. No ranking das gravadoras, a Abril se encontra em sétimo lugar, atrás das cinco multinacionais e da nacional Som Livre, controlada pela Globo. Em julho, esteve em terceiro lugar.
A Abril aposta agressivamente no vendável. Lança Harmonia do Samba e Twister, por exemplo ("pode ser que a qualidade artística esteja achatada, mas por uma razão que não é do Brasil, mas do mundo; o mundo ficou muito pop"). E já enfrenta pressões do mercado. Na semana passada, circulou o boato de que a Abril estaria sendo vendida a um grupo estrangeiro. Maynard nega.
"Se uma gravadora nacional atinge 7% do mercado, tirou de alguém. Alguém diminuiu, e foi alguma multinacional, que não gosta de perder mercado. Isso explica boatos desestabilizadores."
Enquanto a Abril se engalfinha com concorrentes gigantes, a Trama se constrói procurando quebrar alguns dos paradigmas tradicionais. "Não vai dinheiro da Trama para baixo de nenhum tapete. Nosso dinheiro é aplicado em música, em construção de estúdios. Para onde vai o dinheiro das outras eu não sei, mas não é para o processo artístico", diz Bôscoli.
Mas seu jogo paralelo também sofre pressões. Bôscoli conta que ameaças de morte o forçaram a, hoje, andar com seguranças.
"O VR tem 400 homens na rua, que nos ajudam denunciando quando nossos discos são pirateados. Temos um controle eficaz de pirataria. Mandaram avisar que minha cabeça está pedida, "fala para o filho da magnífica que os dias dele estão contados". Pagar 10% de direitos autorais para nossos artistas em vez de 3% é quebra de paradigma, incomoda."
Diferentes em quase tudo, Abril e Trama se equiparam ao criticar as normas estabelecidas. Diz Maynard: "Deveríamos ter benefícios maiores que os das multinacionais, para o jogo ser igual. O governo podia pensar em apoiar empresas nacionais, como deveria ajudar nossos atletas. O Brasil está nessa situação por culpa de uma filosofia de governo".
Diz Szajman: "Criticamos o governo, mas não só criticamos. Fazemos a nossa parte. Queremos ser uma gravadora que vá representar o Brasil, criar um novo arquivo de música brasileira, que hoje está toda na mão das multinacionais e fora de catálogo".


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