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CINEMA/ESTRÉIA
"A Agenda" usa embuste para discutir ligação entre emprego e sucesso nas relações sociais
Profissão: farsante
FRANCESCA ANGIOLILLO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Qualquer tradução que se fizesse do título do terceiro longa de
Laurent Cantet não alcançaria o
significado pleno da expressão
francesa. Numa primeira leitura,
"L'Emploi du Temps" quer dizer,
literalmente, "o emprego do tempo", compreendidas aqui as duas
acepções: de uso e de trabalho.
Mas também se denomina "emploi du temps" um cronograma,
mesmo uma lista de obrigações
rabiscada num pedaço de papel.
No Brasil, contemplando esse
último aspecto, o filme que estréia
hoje em São Paulo (e está na programação do Festival do Rio BR)
foi batizado de "A Agenda". Mas
não é preciso tradução para entender a angústia de alguém que,
como o protagonista Vincent
(Aurélien Recoing), usa o tempo
como meio de vida.
"A sociedade francesa atual parece querer se olhar, levar em conta problemas sociais, políticos e
econômicos de modo mais organizado, mas não formal; o cinema
faz parte disso", disse Cantet, 41,
em entrevista à Folha.
É no bojo dessa atitude que o diretor insere sua reflexão sobre o
mundo do trabalho, iniciada em
"Resources Humaines" (1999) e
retomada agora, no qual aborda a
relação entre carreira e reconhecimento social.
"A Agenda", que valeu ao diretor o Leão do Ano do Festival de
Veneza 2001, conta a história de
um homem que entra em crise
com o emprego a ponto de ter de
deixá-lo e, sem coragem para encarar o julgamento da família,
constrói uma falsa situação profissional, um trabalho internacional que o obriga a viajar constantemente. "O filme fala da dificuldade de encontrar um lugar no
mundo quando não somos definidos pelo trabalho", diz Cantet.
No caso de Vincent, a falta de lugar é até mesmo literal: seu novo
"emprego" faz de sua vida uma
viagem sem ponto de chegada.
Passa os dias no carro, ligando para a mulher de um celular para
matar as saudades (verdadeiras)
que ele mesmo criou e dormindo
em postos de gasolina e estacionamentos.
O mote do filme foi dado por
um caso real acontecido na França. Tendo abandonado a faculdade de medicina no segundo ano,
Jean-Claude Romand inventou
um emprego na Organização
Mundial de Saúde. Afundou tanto
na própria mentira que, desesperado ao ser descoberto, matou toda a família.
"No começo, a idéia era contar a
história de um homem que queria
achar outra maneira de viver. E,
porque todo mundo trabalha, ele
tem de mentir. Isso nos levou ao
caso Romand", explica Cantet.
Mas, para o diretor, o ponto-chave e o aspecto mais provocador de "A Agenda" é colocar Vincent não como uma vítima do desemprego, mas como alguém que
fez uma opção por isso. "Isso é,
talvez, o mais difícil de aceitar:
que a alienação que o trabalho
nos causa não é necessariamente
algo obrigatório. Pode ser uma
problemática luxuosa. E ao mesmo tempo, por que não? Por que
não aceitar que haja outras funções sociais para o indivíduo,
além do trabalho?"
A AGENDA.
Direção: Laurent Cantet.
Com: Aurélien Recoing e Karin Viard.
Quando: a partir de hoje no Espaço
Unibanco e na Sala UOL e, a partir de
domingo, no Festival do Rio BR 2002.
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