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CINEMA
Um dos menos reconhecidos autores da nouvelle vague, o cineasta francês ganha mostra com 18 de seus filmes
SP recebe a modernidade de Eric Rohmer
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Com Eric Rohmer, não existe
amor à primeira vista. Seus
filmes não têm o impacto de um
Godard, a doçura de Truffaut, a
ironia ácida de Claude Chabrol, a
beleza dos enquadramentos de
Antonioni. De início, eles parecem nem mesmo fazer parte da
experiência moderna.
Talvez por isso Rohmer foi o último rebento da nouvelle vague a
ter seu talento reconhecido. Talvez por isso poucos de seus filmes
chegaram ao Brasil, o que faz desta retrospectiva do Cinesesc um
dos acontecimentos do ano.
Até hoje, aliás, não falta quem
veja em Rohmer um realizador de
talento limitado e excessivamente
literário: um mero ilustrador de
diálogos. É preciso observá-lo
com calma e até mesmo alguma
paciência para discernir ali, através das aparências, um dos mais
radicais autores do cinema moderno. Vale insistir: através das
aparências, não atrás delas (pois
em Rohmer nenhuma segunda
intenção se insinua entre a imagem e o espectador).
Quando o espectador se dá conta disso, começa a notar até que
ponto essas histórias são cinematográficas e só fazem sentido
quando filmadas. Pois, se seus
personagens falam aos borbotões,
seus discursos são quase sempre
dotados de uma certeza que o correr das imagens virá a desmentir.
Nascido em 1920, Rohmer faz
parte de uma geração que pôs em
questão tradições como a narrativa linear do cinema clássico e enfatizou a importância da linguagem em detrimento da apreensão
da realidade. Nesse sentido, ele
caminhou na contracorrente do
moderno, o que não ajuda em nada a penetração de seus filmes,
embora tenha sempre sustentado
a modernidade de seu trabalho.
Confrontado às sofisticadas
análises de linguagem de Pasolini,
por exemplo, arguia que o cinema
não diz, nem significa, "o cinema
mostra". Indagado sobre os jogos
narrativos de um Alain Resnais,
dizia que eles "abrem portas, mas
essas portas não dão em parte alguma". Quando, por fim, alguém
sustentava que a essência do cinema moderno é ser poético, respondia, apenas, que seu cinema é
prosaico, sim, mas moderno.
Onde estaria então sua modernidade? Rohmer é o mais radical
discípulo da teoria realista de André Bazin (1918-58). Para Bazin, a
originalidade do cinema consiste
em sua capacidade de captar o
mundo objetivamente, sem a interferência da mão do artista. Até
então, o habitual era considerar o
cinema uma arte apesar disso. Ou
seja, o que fazia dele uma arte era
a capacidade de, graças à técnica,
distanciar-se do mundo tal como
se apresenta a nossos olhos.
Nos filmes de Rohmer, essa
idéia se traduz numa simplicidade que, ao olhar desprevenido,
beira a ingenuidade. Só a persistência dessa idéia ao longo da
obra nos leva a compreender seu
projeto: associar a objetividade do
cinema à expressão de uma subjetividade -que, esta sim, caracterizaria o cinema moderno.
Para facilitar, a maior parte da
obra é agrupada em séries. "Contos Morais" (63-72) é sobre a escolha entre trair ou não trair a
mulher; "Comédias e Provérbios"
(80-87) enfatiza as relações interpessoais; "Contos das Quatro Estações" (90-98) leva a ambiguidade das relações entre os personagens às últimas consequências.
O que já se disse de Howard Hawks também vale para Rohmer: é impossível amar seus filmes sem amar o cinema; é impossível amar o cinema sem amar seus filmes. Nos dois casos, o amor vem com o tempo.
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