São Paulo, quarta-feira, 04 de outubro de 2006

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Saura filmará música brasileira

Em aula no Rio, diretor espanhol conta que incluirá ritmos nacionais em sua próxima produção

Cineasta registrou diversos bailes do Rio para usar na pesquisa de seu próximo filme, "Amor de Deus", que terá roteiro de Karim Aïnouz


SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

O cineasta espanhol Carlos Saura se preparou para deixar ontem o Brasil, por pouco tempo. Em julho do ano que vem ele pretende estar de volta, para filmar "Amor de Deus", longa-metragem musical dedicado a ritmos brasileiros.
Em sua temporada como convidado do Festival do Rio, onde deu uma aula magna de cinema, Saura, 74, aproveitou para visitar bailes e registrá-los em fotos e com câmera portátil.
O diretor retorna à Espanha, pensando em "como ajustar esses bailes ao roteiro do filme", que será assinado pelo diretor brasileiro Karim Aïnouz.
Aïnouz disputa a Première Brasil do Festival do Rio com seu segundo longa, "O Céu de Suely". Saura disse que assistiu apenas ao filme de estréia do diretor brasileiro -"Madame Satã" (2002)-, com quem se encontrou em Madri, para acertar o projeto conjunto. "É um homem muito talentoso e nos entendemos muito bem."
A uma platéia de cinéfilos que acompanhou sua aula magna, no Cine Odeon, na segunda, Saura, autor de clássicos como "Carmem" (1983) e de filmes que abordam a música como "Tango" (1998), falou da importância da música no cinema.
"Vejo todos os tipos de filmes, mas sobretudo comédias americanas. Nesses filmes, a música persegue os personagens. Não suporto isso. Usa-se muito a música no cinema, mas de modo regular ou ruim."
O diretor contou uma anedota sobre seu conterrâneo Luiz Buñuel (1900-1983). "Ele dizia que não tinha interesse pela música no cinema, mas Buñuel estava surdo. E era mentira, porque, num filme de 1932, ele usou um trecho inteiro de Brahms", citou, assinalando a admiração pelo mestre.
"Se tivesse que escolher um mestre, escolheria três: Buñuel, [o sueco Ingmar] Bergman e [o italiano Federico] Fellini. Cada um deles usou a imaginação no cinema segundo a sua cultura."
Amigo do cubano Tomás Gutierrez Alea, o Titón, Saura contou que esteve "a ponto de ir viver em Cuba", quando seu primeiro filme foi censurado na Espanha. "Mas eu queria falar do meu país e das pessoas do meu país." Desistiu de emigrar e acha que "estar aqui, hoje, com vocês, depois de quase 40 filmes, parece um milagre".
"Fotógrafo compulsivo", Saura contou que, "por amor a uma menina", foi atraído para a fotografia e, desta, ao cinema:
"Ela tinha 7 anos, e eu, 9. Não podia dormir de paixão. Como eu era muito tímido, não me atrevia a falar com ela. Peguei a câmera do meu pai, que era um péssimo fotógrafo, suas fotos saíam invariavelmente desfocadas. Escondido, fiz uma foto dela -vejam que já era meio voyeur- e até que não saiu mal. Desenhei um coração flechado atrás da foto e enviei-a para ela. Ela nunca me respondeu. Mas pelo menos eu comecei assim."
Sobre a produção atual de cinema, disse que, "com os avanços técnicos, qualquer um pode fazer um filme. O problema não são mais os meios, mas o talento" e defendeu que os cineastas busquem "se não um caminho diferente, pelo menos próprio".


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