São Paulo, sábado, 4 de outubro de 1997.




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LITERATURA
País pode ser o 1º da América Latina a adotar iniciativa; autor deve ser ligado a parlamento internacional
Brasil pode asilar escritores perseguidos

CECÍLIA SAYAD
da Redação

O Brasil pode vir a ser o primeiro país da América do Sul a dar asilo a um escritor perseguido que esteja ligado ao Parlamento Internacional dos Escritores.
A entidade, que surgiu em 1993 como reação ao assassinato de escritores e jornalistas na Argélia durante o governo ditador de Liamine Zeroual, visa a proteger autores oprimidos de origens diversas e sua liberdade de expressão (leia texto abaixo).
O atual presidente do parlamento é o prêmio Nobel de Literatura nigeriano Wole Soyinka. A carta de princípios da entidade foi redigida pelo britânico de origem indiana Salman Rushdie (autor de "Versos Satânicos").
Ao parlamento está associada uma rede de cidades que se propõem a dar asilo aos escritores perseguidos. Elas estão localizadas em países como a Espanha, Alemanha, França, Suécia, Noruega, Inglaterra e Itália.
A próxima cidade a integrar a lista pode ser Passo Fundo (200 mil habitantes), no Rio Grande do Sul.
A iniciativa de colocar o município à disposição para abrigar um escritor exilado surgiu durante a Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo, evento organizado pela prefeitura e pela universidade da cidade e que teve sua sétima edição no início do mês passado.
Na ocasião, a escritora Betty Milan, única representante do Brasil no Parlamento Internacional dos Escritores, apresentou o projeto da entidade.
O secretário estadual da Cultura do Rio Grande do Sul, Nelson Boeira, manifestou então o interesse de que Passo Fundo integrasse a lista de cidades que dão refúgio para intelectuais perseguidos em encontro com o poeta e ensaísta martiniquês Edouard Glissant, membro do conselho diretor do parlamento que estava na cidade também a convite da jornada.
Segundo Betty Milan, a prefeitura de Passo Fundo deve encaminhar ao parlamento uma carta manifestando seu interesse em dar asilo a um escritor e se comprometendo a fornecer a ele alojamento e uma ajuda de custo.
A professora Tânia Rosing, da Vice-Reitoria da Universidade de Passo Fundo e uma das organizadoras da jornada, diz que o valor da ajuda de custo gira em torno de US$ 2 mil. "E a moradia tem que ser compatível com a situação do escritor, ou seja, ter computador, telefone etc.", acrescenta ela.
O prefeito de Passo Fundo, Júlio César Cansild Teixeira, disse à Folha que essa carta deve ser enviada em breve e será redigida de acordo com normas estabelecidas pelo parlamento.
"O primeiro passo é a cidade se candidatar a servir como abrigo junto ao Parlamento Internacional", explica o prefeito.
"Caso o parlamento se interesse, a prefeitura vai buscar as vias legais para garantir ao escritor aquilo que o parlamento exige que ele receba", conclui.
Segundo o secretário Nelson Boeira, "o parlamento exige também que a cidade promova a integração do escritor na comunidade que o recebe, para que ele contribua de alguma forma com o país".
"A Secretaria da Cultura do Rio Grande do Sul se compromete a criar condições para que o exilado tenha contato com outros intelectuais brasileiros e do Mercosul, participando de debates, integrando delegações etc.", diz Boeira.
A decisão final, no entanto, cabe à entidade internacional. "Glissant disse que o Parlamento só aceitaria uma iniciativa que partisse cidade", diz a escritora Betty Milan, explicando que a iniciativa deve partir de uma prefeitura, e não do governo federal -ainda que ele deva estar ciente.
"Os Estados não reagem com rapidez suficiente às questões urgentes às quais os escritores são submetidos por causa das perseguições. Há mais de 500 escritores perseguidos no mundo."
Segundo Milan, o fato de o Brasil possuir uma cidade-refúgio pode trazer contribuições para a literatura brasileira no estrangeiro.
"À medida que damos asilo a um escritor, temos a possibilidade de estabelecer uma troca interessante com outros países e fazer a nossa literatura ser respeitada no exterior", diz.
"Não adianta o escritor brasileiro ser editado no estrangeiro sem fazer parte de um movimento, o que dá a ele um peso diferente", diz Milan, cujo livro "O Papagaio e o Doutor" foi editado na França.



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