São Paulo, sábado, 4 de outubro de 1997.




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Frei Betto faz de Jesus um cara legal

MARCELO MUSA CAVALLARI
da Redação

Frei Betto sucumbiu à tentação de romancear Jesus.
Conta-se que Dostoievski e Georges Bernanos ensaiaram durante anos escrever essa história. Ambos desistiram.
Betto deveria ter aprendido a lição. É difícil saber a que veio seu livro "Entre Todos os Homens".
Qualificado como romance na capa, o livro não chega a isso. É um cozido de história de Jesus tal como está nos evangelhos; informações históricas e arqueológicas; e teologia freibettiana -misto de teologia da libertação com correção política e new age.
Betto parece considerar que a tarefa de romancear a vida de Jesus consiste basicamente em ocupar mais espaço. Seu livro tem umas 370 páginas de texto, propriamente dito. Muito mais do que o suficiente para os quatro evangelhos que fazem parte da "Bíblia".
A idéia parece ser a de que, para ressaltar a humanidade de Jesus, é preciso mostrar o maior número possível de detalhes ínfimos. Bem, a vida real não é só feita de grandes momentos. De Jesus só se conhecem os grandes momentos. Então que se colem a eles os detalhes, mesmo que totalmente desprovidos de significado.
Como o episódio em que se conta que os reis magos, depois de darem seus presentes ao Menino Jesus, passaram a noite e comeram ovos mexidos com pão de cevada no café da manhã.
Frei Betto não se constrange e, vez por outra, inventa episódios inteiros. Como a passagem de João Batista pelo mosteiro da seita dos Essênios -conjetura de alguns estudiosos-, onde recebe, inclusive, a visita de Jesus -produto da alta recreação de Frei Betto.
A narrativa tem um tom de best seller americano. Muito discurso direto-indireto e descrição de características físicas supostamente reveladoras.
No tanto que usa de informação arqueológica, o livro parece ser um pré-roteiro para seriado de TV americano. As alongadas descrições de construções, roupas e, raiando a obsessão, comida são, no entanto, uma aproximação externa à época de Jesus.
Por mais precisas que as informações usadas por Betto sejam, seus personagens parecem modernos num cenário reconstituído.
As descrições podem ser da Palestina do século 1º, mas os personagens parecem mais universitários cristãos do Brasil em 68.
Não por acaso, é isso que Frei Betto foi. E é desse período que ele não consegue se desligar.
O ideário de Jesus e seus amigos é o de Frei Betto. Inclui amor aos pobres -na visão muito particular disso que têm os teólogos da libertação-, feminismo, ecologia.
O mais curioso é que Frei Betto acaba sendo tímido na humanização de Jesus que propõe. Não nega que ele seja o Filho de Deus, não nega os milagres. Mas tenta não lhes ressaltar a importância.
Seria como se dissesse: "Bem, Jesus nasceu de uma virgem, curou cegos e paraplégicos, multiplicou pães, ressuscitou, subiu aos céus, era Filho de Deus, mas nada disso importa. O importante é que ele era um cara bacana".


Livro: Entre Todos os Homens
Autor: Frei Betto
Lançamento: editora Ática Quanto: R$ 29,90 (392 págs.)



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