ALVARO MACHADO
especial para a Folha

É esclarecedor saber que os integrantes da Koumpaneia Kostas Chalkias não apreciam ser chamados "ciganos", apesar de possuírem essa herança étnica e figurarem num festival de cultura cigana. As composições da Koumpaneia ecoam apenas à distância espírito cigano, em floreados de acento oriental. À parte isso, sua música é cem por cento grega.
Saídos de uma aldeia nas montanhas Epiro, nordeste da Grécia, o grupo tem na liderança o clarinete titânico de Konstantin Chalkias, que soa intermitente durante 70 minutos: um nada para quem toca em festas por doze horas. Outros membros do clã Chalkias se encarregam da segunda clarineta, com tessitura diferente da primeira, alaúde, violino e défi (um grande pandeiro).
Amplificado, o som dos instrumentos tem bom efeito, porém está equalizado de maneira deficiente, e a acústica do teatro Sesc Belenzinho ainda improvisado é abafadora.
Não importa, pois são verdadeiras epifanias o que os Chalkias nos ofertam. "Epifanias" não no sentido cristão, mas no original grego, de manifestação divina. Por trás dos sons imitativos da natureza da "flauta de pastor" no segundo clarinete e da zoada sustentada por violino e alaúde como uma cortina sonora, estão os ritos de Dioniso, deus do vinho, do delírio místico e das enlouquecedoras flautas invisíveis.
A estrutura é sempre semelhante: sobre uma massa timbrística em partes não-ritmadas, despontam improvisações do primeiro clarinete, ao qual se entrelaçam frases do segundo sopro.
O fato de os números não terem, originalmente, duração determinada, provocou na estréia uma curiosa situação, com Kostas olhando aflito para seu relógio e para as coxias, onde um produtor do Fiac fazia cronometragem: talvez reencarnação de Penteu, o inimigo de Dioniso.
Ao mesmo tempo que evocam a Grécia mitológica, os Chalkias soam modernos, com seus intervalos dissonantes, suas vozes deseducadas, brutais, sua liberdade jazzística.

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