São Paulo, sábado, 04 de novembro de 2000

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David Byrne põe a cabeça para dançar

Divulgação
David Byrne, que compôs para 'In Spite of Wishing and Wanting'



Compositor volta a criar para a dança em "In Spite of Wishing and Wanting", espetáculo que Wim Vandekeybus e seu grupo apresentam na próxima semana em São Paulo


ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Depois de trabalhar nos anos 80 com a coreógrafa Twyla Tharp e com o diretor teatral Robert Wilson, o compositor David Byrne volta a criar especialmente para a dança em "In Spite of Wishing and Wanting", espetáculo que o belga Wim Vandekeybus e seu grupo, o Ultima Vez, apresentam na próxima semana em São Paulo, no teatro Alfa.

Em entrevista à Folha por telefone, de seu estúdio em Nova York, Byrne falou sobre sua relação com a dança, afirmando que pretende se apresentar no Brasil no próximo ano.
"Também espero manter minhas parcerias com coreógrafos, porque me estimulam a desenvolver novos vocabulários. Gostaria inclusive de observar melhor as semelhanças e diferenças entre o meu trabalho e o de outros compositores que colaboram em espetáculos de dança. No Brasil, eu sei que Tom Zé e João Bosco já trabalharam com o grupo Corpo, mas não conheço os resultados", diz Byrne, que gravou um CD com a trilha de "In Spite of Wishing and Wanting".

Folha - Como começou a parceria com Wim Vandekeybus?
David Byrne -
Eu estava em Seattle, em 1991, fazendo um show beneficente, quando assisti a um espetáculo de Wim, "Always the Same Lies", que me impressionou muito. Em seguida, tivemos a chance de conversar durante uma reunião na casa de um amigo e, daí em diante, ficamos em contato. Cerca de cinco anos atrás, Wim me procurou para solicitar música para alguma coisa, que seria dança, teatro e também filme (risos), baseada em um texto de Paul Bowles, o escritor americano que viveu no Marrocos. Tratava-se de uma história brutal, em que as pessoas tornam-se animais. Bowles não deu permissão para o projeto, e Wim disse: "OK, então pensemos em outra coisa".

Folha - Você fez experiências antes de desenvolver a composição de "In Spite of Wishing and Wanting"?
Byrne -
A música belga moderna é algumas vezes perturbadora, incômoda, e essas características talvez agradem aos coreógrafos belgas. Quando comecei a compor a partitura de "In Spite of Wishing and Wanting", me perguntei o que seria mais satisfatório, pois num processo criativo com outro artista é difícil saber com antecedência o que pode funcionar. De início, criei vários tipos de música, como um teste, e enviei para Wim. Fiz coisas líricas, ambientais, eletrônicas, incluí um tango, que ele nunca usou (risos).
Na partitura final, misturei coisas diferentes, sons da Argélia e do Marrocos, pois há um bailarino marroquino cego que interpreta o principal personagem. Remixei algumas canções antigas, criadas há dois anos, que Wim gostou e pediu novas versões. Quanto aos instrumentos, fiz uma mistura, usando acordeão, percussão, violinos, violoncelos, guitarras, sons eletrônicos.

Folha - Na história da dança há diversas experiências entre coreógrafos e compositores. Merce Cunningham e John Cage, por exemplo, trabalhavam em separado, sem que um interferisse no trabalho do outro. Como foi o processo criativo entre você e Vandekeybus?
Byrne -
Algumas vezes trabalhamos juntos na Bélgica, mas, na maior parte do tempo, eu trabalhei sozinho, em Nova York. No início, Wim me mostrou cerca de 15 minutos da coreografia, que ainda estava inacabada. Trocamos idéias e ele me deu algumas direções. A partir disso, eu apresentei propostas musicais e o trabalho tornou-se paralelo. A cada dois ou três dias, eu lhe enviava excertos em CD. Certas coisas ele gostava, outras não, e algumas outras ele pedia para desenvolver.
Mais tarde, fui assistir aos ensaios e pude ser mais específico. Daí a partitura ganhou forma, peso, dramaticidade, e eu cheguei à solução adequada.

Folha - Como a dança começou a capturar sua atenção?
Byrne -
No início de minha carreira, eu costumava ver grupos experimentais de dança em Nova York. Foi quando percebi que música e dança ganham uma dimensão maior quando estão juntas no palco. Em cena, a música torna-se muito mais interessante quando há gente se movendo. É como num filme. A música relacionada à imagem te toca de forma diferente do que se você a estivesse apenas ouvindo.

Folha - O que lhe revelaram as parcerias com coreógrafos?
Byrne -
No caso específico de Wim, eu aprendi que as cenas assumem identidades diferentes quando são acompanhadas ou desprovidas de música. Num filme, quase não há silêncio. Quando a música se interrompe, há gente falando ou ainda o som que vem das ruas, ou algo assim. Na dança, quando a música é interrompida, instala-se o silêncio, restando apenas o som de pés em contato com o chão. Isso me causava perturbação e me compelia a pensar: "Não pode ser, tenho de colocar alguma música aqui!".

Folha - Você também é fotógrafo e diretor de filmes. Essas habilidades lhe dão uma sensibilidade visual com relação à dança?
Byrne -
Acho que minha percepção da dança é física. Como performer, posso sentir fisicamente o que dançarinos fazem no palco.


Espetáculo: "In Spite of Wishing and Wanting", de Wim Vandekeybus Quando: dias 7, 8 e 9, às 21h Onde: teatro Alfa (r. Bento Branco de Andrade Filho, 722; tel. 0800-558191) Quanto: de R$ 20 a R$ 90 Disco: In Spite of Wishing and Wanting Onde encontrar: www.luakabop.com Quanto: US$ 13,26

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