São Paulo, segunda-feira, 04 de novembro de 2002

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LITERATURA

Escritor polonês radicado nos EUA, que estreou em 1991 aos 57 anos, lança o romance "Schmidt Libertado"

Louis Begley explora "a boa burguesia"

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAl

O escritor polonês -radicado nos Estados Unidos- Louis Begley tem uma inusual trajetória no cenário literário norte-americano. Sua estréia foi em 1991, aos 57 anos, com "Infância de Mentira"; um relato autobiográfico sobre a Segunda Guerra. Depois, sua atenção se voltou para -em sua definição- "a boa burguesia". E ela está mais uma vez presente em "Schmidt Libertado", lançado agora pela editora Companhia das Letras.
"Schmidt Libertado" é o segundo momento de um personagem apresentado aos leitores no romance "Sobre Schmidt" -a versão para o cinema, com direção de Alexander Payne, tem estréia prevista para dezembro, nos Estados Unidos, com Jack Nicholson no papel principal.
Aqui, Schmidt está de retorno; um homem envelhecido, em crise com sua filha e amante. Mas ainda alguém acostumado com dinheiro, dramas e conforto, evidenciando "alguns aspectos do capitalismo do final do século", como disse Begley em entrevista à Folha, por e-mail, de Nova York.

Folha - "Schmidt Libertado" é um romance sobre o poder?
Louis Begley -
Poder é um dos meus temas. Mas há outros que são igualmente importantes, como a relação entre um pai, Schmidt, e sua filha adulta, ou a persistência da força de Eros e a maneira que ela age em nós. Mike Mansur, o magnata que se torna amigo de Schmidt, representa o poder. Seu poder é dado pelos muitos bilhões de dólares que ele possui. É a autoconfiança que nasce da fortuna. Schmidt é fascinado por Mansur.
Acredito que os super-ricos surgidos nos anos 80 e 90 são um fenômeno social. Eles são muito mais ricos que os ricos de antes da Primeira Guerra, e não existe nada semelhante a eles nessa categoria. Antes havia o prestígio da realeza, e ninguém poderia desafiá-la. Agora, não há ninguém -talvez apenas os astros de rock- que receba igual deferência. Os políticos certamente não, porque são vistos pelos super-ricos como um artigo para compra e venda.

Folha - Schmidt é então seu comentário sobre o capitalismo norte-americano?
Begley -
"Schmidt Libertado" certamente apresenta alguns aspectos do capitalismo dos Estados Unidos no final do século 20. Mas, na verdade, não sou um escritor didático, com uma tese. Não procurei escrever um romance sobre o capitalismo, no mesmo sentido que, por exemplo, Ayn Rand fez em "Fountainhead".

Folha - Mas parece haver em sua obra um interesse especial pelos ricos.
Begley -
A alta sociedade? Não, o meio no qual tenho centrado meus romances (com exceção de "Infância de Mentira") é simplesmente a "boa burguesia"; é onde eu vivo. Logo, já que sou um escritor de tradição realista, é natural para mim o uso desse meio como universo, e é dele que tiro meus personagens.
Objetivamente, meus livros são a respeito dos graves problemas existenciais das pessoas: a definição de identidade, a maneira como são obrigados a reconhecer a crueldade do mundo onde vivemos, a solidão da vida e a solidão da morte. A "alta sociedade" aparece apenas como diversão. Eu acredito que um romancista tem que contar uma história, e ela deve prender a atenção do leitor e diverti-lo.

Folha - Sua ficção procura manter alguma forma de engajamento?
Begley -
Minha ficção não é "engagé" (engajada) no sentido dado pelo escritor Albert Camus. Mas posso dizer ser ela séria. Certamente não é apenas arte pela arte.

Folha - Como o sr. vê o atual momento da literatura norte-americana? Os autores parecem estar sendo influenciados pelas mudanças políticas e econômicas no país?
Begley -
Essa é uma questão muito difícil de ser respondida. A escola minimalista parece estar seguindo seu curso. Don Delillo é percebido aqui como um grande escritor, e há várias pessoas tentando imitá-lo. Jonathan Franzen, que agora é o nome do momento, me parece ser uma regressão.
O mais seguro valor literário em atividade, na minha opinião, é Philip Roth, especialmente "Pastoral Americana" e "A Mancha Humana". Mas não acho possível julgar como as transformações políticas ou econômicas de meu próprio tempo alteram a literatura. É necessário um certo recuo.


SCHMIDT LIBERTADO. De: Louis Begley. Editora: Companhia das Letras. Quanto: R$ 36 (280 págs.).



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