São Paulo, quarta, 4 de novembro de 1998 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice PJ Harvey aprimora ativismo feminino em novo CD
PEDRO ALEXANDRE SANCHES da Reportagem Local Ela é bonita, mas quer parecer feia. Disfarça-se de experimental ou conceitual, mas quer é compor e cantar leitosas melodias. É artesã do romantismo, mas sai arranhando as faces de homens e mulheres para se impor à custa de sexo e agressividade num mundo que ainda é predominantemente masculino. PJ Harvey é, enfim, o retrato da mulher de fibra do fim dos anos 90. Lançando "Is This Desire?", cada vez mais é herdeira soberana e solitária do tipo "psicológico" concebido e levado a raias de loucura e brilho, nos 70, por Patti Smith -da mulher poeta, ativista, agressiva e masculinizada para jorrar feminilidade. Um poema em "Is This Desire?" -e é justamente o da faixa mais melódica, experimental e pop do CD- basta para descrever em que estágio PJ se encontra, após os furiosos "Dry" (92) e "Rid of Me" (93), o ultramelódico "To Bring You My Love" (95) e o hiper-experimental e antipático "Dance Hall at Louse Point" (96), dividido com seu mentor John Parish. Ao poema, "The Wind". "Catherine gostava de lugares altos/ do alto das colinas/ um lugar para fazer barulho/ barulhos como os das baleias/ lá ela construiu uma capela/ com sua imagem na parede/ um lugar onde ela podia descansar/ e um lugar onde podia ouvir o vento soprar. "Ela sonhava com vozes de crianças e tortura (...)/ uma mulher das colinas/ ela uma vez foi uma dama/ de prazeres e bem-nascida/ uma dama da cidade/ mas agora ela se senta e ouve o vento soprar. "Eu a vejo em sua capela/ no alto da colina/ ela deve estar tão sozinha/ oh, Mãe, não podemos dar um marido para nossa Catherine?/ um marido gentil, um querido/ um marido rico para a dama/ alguém que ouça com ela o vento soprar?" Complemento e deslocamento vêm em outra das faixas que esbanjam melodia e dramaticidade, "Catherine" (esta é, como Sansão e Dalila, Tarzan e Jane, Adão e Eva, personagem recorrente, chamada Kathleen em "Rid of Me" -não devem ser coincidências as semelhanças com "O Morro dos Ventos Uivantes" de Emily Brontë): "Catherine de Barra, você assassinou meu pensamento/ lhe dei meu coração/ você deixou a coisa fedendo (...)/ invejo a estrada, o chão por onde você passa/ invejo o vento, percorrendo seu cabelo/ invejo o travesseiro, sua cabeça descansa/ invejo o assassinato, invejo seu amante." A mulher -ora dissecada em terceira pessoa, ora em primeira- lamuria posto de isolamento e marginalização e reage a ele com agressividade, cuspindo ira no mundo. Mas não mascara um profundo romantismo, e vai aí o inexorável paradoxo uterino. PJ e seu disco seguem pesados, ainda entre Patti Smith e (seu ex-namorado) Nick Cave. O tratamento musical é lânguido e maduro como nunca, em "Angelene", "The Sky Lit Up", "The River"... Mas seu pop abandonou o tom rascante/gratuito do rock, e procura texturas "modernas" -a ponto de parecer seguir a cartilha do existencialismo musical à Cranberries do Portishead. Mas, como não admite autocomiseração, nem nisso ela soa artificial. E esse parece um álbum para ficar na história. Em tempo: o CD, lançado há um mês pelo conglomerado PolyGram, só tem edição importada, até agora. A filial brasileira deve estar esperando o ano 2000 para chegar ao futuro (brincadeira, dizem que sai aqui em dez dias). ² Disco: Is This Desire? Artista: PJ Harvey Lançamento: Island (importado) Onde encontrar: Bizarre (tel. 011/220-7933), London Calling (tel. 011/223-5300) Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
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